Fonte: Por Helena Angélica de Mesquita – Fonte Revista Caros Amigos
No dia 9 de agosto de 2005 completam-se dez anos do massacre de Corumbiara e quero trazer aqui uma pequena lembrança aos leitores. Este texto é um recorte do quarto capítulo da minha tese de doutorado cujo título é: “Corumbiara: o Massacre dos Camponeses. Rondônia, 1995”. A tese trata da questão da luta pela terra no Brasil, e enfoca o massacre dos trabalhadores sem terra que aconteceu na fazenda Santa Elina, no município de Corumbiara, Rondônia, em agosto de 1995. As principais fontes de consulta foram o “Processo Judicial Caso Corumbiara” e as entrevistas com as pessoas envolvidas, especialmente os camponeses, vítimas do massacre.
O conflito na fazenda Santa Elina tem a mesma gênese de muitos outros que já ocorreram, afinal a luta pela terra no Brasil é secular e institucional. São os índios lutando para não perder seus territórios, são os negros lutando pela liberdade, são os camponeses expropriados tentando voltar à terra, enfim milhões de brasileiros lutaram e lutam por terra no país do latifúndio. O massacre de Corumbiara é a explicitação dessa luta. É mais um conflito por terra onde o Estado interferiu e mostrou de que lado está. O mesmo Estado que gera e alimenta o latifúndio há mais de cinco séculos, ao defender a concentração da terra e o “sagrado direito á propriedade” em detrimento ao direito á vida, como foi em Canudos, Contestado, Corumbiara, Eldorado do Carajás…
O Conflito na fazenda Santa Elina
No dia 14 de julho de 1995, centenas de famílias de trabalhadores rurais sem terra ocuparam uma pequena parte dos 20 000 ha da Fazenda Santa Elina, no município de Corumbiara. Como era uma área de mata, os camponeses construíram os barracos sob as árvores mais altas para proteger a pequena cidade de lona dos constantes vôos de intimidação praticados por fazendeiros e policiais. A ocupação da Fazenda Santa Elina foi um dos 440 conflitos por terra que ocorreram no Brasil em 1995 e um dos 15 que aconteceram em Rondônia naquele ano (dados da Comissão Pastoral da Terra).
A justiça foi muito rápida em atender os latifundiários. No dia 19 de julho já havia sido expedida a liminar de manutenção de posse e um grupo de policiais chegou muito cedo ao acampamento para dar-lhe cumprimento. Nesse dia, um posseiro foi ferido à bala pelas costas. O fracasso dessa tentativa motivou a criação de uma comissão para intermediar o conflito. A comissão era formada pelo secretário do Governador, um deputado do Partido dos Trabalhadores, o diretor do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), um representante do Instituto de Terras de Rondônia (ITERON) e o vereador Manuel Ribeiro, o Nelinho do PT (assassinado quatro messes depois).
Na madrugada do dia 09 de agosto, 194 policiais, inclusive 46 da Companhia de Operações Especiais (COE) e outro tanto de jagunços e guachebas fortemente armados, cercaram o acampamento e começou o massacre de Corumbiara. Desde a véspera o acampamento já estava sitiado mas os posseiros não tinham conhecimento disso, pois quem tentava sair ou chegar, era preso. O isolamento foi total e o cerco se fechou de madrugada.
O Massacre de Corumbiara
Os camponeses que viveram vinte e cinco dias na esperança da terra prometida, de repente abismaram-se num inferno dantesco, onde homens foram executados sumariamente, mulheres foram usadas como escudos por policiais e jagunços, 355 pessoas foram presas e torturadas por mais de vinte e quatro horas seguidas e o acampamento foi destruído e incendiado com todos os parcos pertences dos posseiros. O acampamento foi atacado de madrugada com bombas de gás que a todos sufocava, especialmente as crianças. O tiroteio era ensurdecedor.
Naquele dia morreram onze pessoas, inclusive a pequenina Vanessa, de apenas seis anos, cujo corpinho foi trespassado por uma bala “perdida”. Cinqüenta e cinco posseiros foram gravemente feridos. Os laudos tanatoscópicos provaram execuções sumárias. O bispo de Guajará Mirim recolheu amostras de ossos calcinados em fogueiras do acampamento e enviou à Faculté de Médicine Paris-Oeste que confirmou a cremação de corpos humanos no acampamento da Fazenda Santa Elina.
Na apuração dos fatos, nos processos judiciais e no júri, ficou evidenciado que os camponeses é que pagaram muito caro por terem sonhado com o acesso a terra. Ninguém foi responsabilizado pelas torturas que aquelas pessoas sofreram, os órfãos e as viúvas estão desamparados, existe gente desaparecida até hoje, e muitos trabalhadores estão debilitados física e emocionalmente, impossibilitados de trabalhar por seqüelas causadas pelos maus tratos recebidos durante a “desocupação” da fazenda Santa Elina.
O Júri Popular que aconteceu em Porto Velho no período de 14/08 a 06/09 de 2000 comprovou que a justiça brasileira, especialmente em Rondônia, está a serviço do latifúndio. A condenação dos sem terra Cícero Pereira Leite Neto e Claudemir Gilberto Ramos, mesmo sem prova nos autos, e a exaltação, pelo próprio Ministério Público, dos oficias que executaram aquela ação repressiva e criminosa coordenada e financiada por fazendeiros, foi prova evidente que a impunidade prevalece e que o crime do latifúndio contra o campesinato ainda compensa.
Corumbiara hoje…(em 2005)
Então, meus caros amigos, não podemos esquecer as Corumbiaras da vida e a última notícia de Corumbiara é que todos os recursos interpostos á justiça pelos advogados dos dois sem terra foram negados. O resultado final é que o processo “caso Corumbiara” transitou em julgado em 15/05/2005, ou seja, a justiça tratou como igual o que é muito diferente, transferiu para as vítimas a responsabilidade por um dos piores massacres já impingido aos pobres desse país. Cícero e Claudemir já estavam condenados desde que ousaram desafiar o latifúndio, desde que sonharam um sonho que é mesmo sonho de seus pares. Não podemos pactuar com mais essa injustiça! Não podemos aceitar a prisão de Cícero e Claudemir, afinal não foram eles que derramaram sangue de inocentes em Corumbiara. No século 21 o pacto das elites agrárias continua sendo feito e refeito, mas os camponeses continuarão sua luta em busca de justiça e sua trajetória rumo à liberdade.
Em 2008…
Cansados de tanto esperar (indenização e recorte de terras), decidimos retomar a fazenda Santa Elina no dia 11 de maio…