Fonte: Comissão de elaboração da Carta de Santa Maria 2008
Há 15 anos a cidade de Santa Maria, Coração do Rio Grande do Sul/Brasil, acolhe empreendimentos solidários, entidades parceiras, movimentos populares, no maior evento do cooperativismo alternativo do Rio Grande do Sul e do Brasil. Trata-se de um processo inovador que tem como características a valorização dos saberes e práticas das populações empobrecidas, o trabalho em mutirão, o respeito às diversidades, a rede de parcerias, o cuidado com o meio ambiente, o protagonismo de grupos solidários desde o seu processo desde a preparação até a sua realização.
Iniciada em 1994, em meio às dificuldades e desafios da época, a Feira foi se firmando como processo, ultrapassando as fronteiras de um simples evento. “A semente jogada à beira do caminho deu muitos frutos”.
Assim é a história das Feiras de Santa Maria – uma semente pequena, plantada e cultivada por muitas mãos. Semente que deu frutos e tornou-se sementeira de outras alternativas solidárias em vários estados e países. Ao longo desses anos a Feira se constituiu como espaço de formação, troca de experiências, intercâmbio, articulação e estímulo ao comércio justo e consumo solidário, tendo como fio condutor os princípios da organização, cooperação e solidariedade. Nos últimos quatro anos, a Feira foi assumida como compromisso do Mercosul, com vistas ao fortalecimento do trabalho em redes e da integração entre os diferentes países na luta por um outro modelo de desenvolvimento solidário e sustentável e construção de uma sociedade socialmente justa, economicamente viável, ambientalmente sadia, organizadamente solidária e cooperativada, politicamente democrática.
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No ano em que a cidade de Santa Maria completa 150 anos, participaram da 15ª Feira, 750 empreendimentos expositores e 150 empreendimentos visitantes, 250 entidades apoiadoras, 400 municípios, 27 estados, 25 países, diversas universidades e dioceses. A programação da Feira contou com 12 seminários temáticos: Seminário Nacional da Comercialização Solidária e Políticas Públicas; Seminário Estadual da UNICAFES do Rio Grande do Sul; Seminário Nacional do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA); Seminário Internacional de Economia Solidária e Comércio Justo; Seminário Internacional: Exclusão, Desenvolvimento Solidário e Sustentável; Seminário Internacional da Reforma Urbana, Economia Solidária e Políticas Públicas; Seminário Internacional Mobilizador e Preparatório ao Fórum Social Mundial (FSM); Seminário Internacional da Cáritas Latino Americana; Seminário Nacional dos Catadores/as; Seminário Nacional de Reconversão do Tabaco: “Por um mundo sem tabaco”; Seminário Internacional das Lutas do Campo; Seminário Nacional: Trocas Solidárias e Consumo Consciente.
Também destaca-se na programação destaca-se a 4ª Caminhada Internacional e Ecumênica Pela Paz, o 3º Levante da Juventude – 25 anos da Juventude Rural (PJR/RS), 8ª Mostra Permanente da Biodiversidade, Lançamento do Banco das Sementes Crioulas Comunitárias da Região Central – Chico Mendes e 3º Show Sepé Tiarajú e os Povos Guaranis. Todos esses eventos foram mediados por artistas da caminhada totalizando 25 apresentações culturais no palco central da Feira que se transformou num território festivo da solidariedade, da globalização da esperança e da justiça, para “UM OUTRO MUNDO POSSÍVEL”.
O espaço sagrado do Centro de Referência de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter acolheu, no período de 11 a 13 de julho de 2008, a realização da 15a. FEICOOP. Sob a coordenação da Diocese de Santa Maria – Projeto Esperança/Cooesperança, Prefeitura Municipal de Santa Maria, e Cáritas, com mais de 60 comissões de trabalho, articulou dezenas de atores: empreendimentos solidários, fóruns de economia solidária, organizações de assessoria e fomento, movimentos sociais populares, universidades, governo municipal e federal, entre outros. Neste território sagrado – porque nasceu da luta, da organização, do apoio, da parceria e da participação de muitos atores -, combinou-se a comercialização com o esforço de elaboração de um projeto sócio-político popular. Tornou-se um espaço inclusivo de trocas de bens produzidos solidariamente e serviços essenciais ao bem viver do povo, integrando os(as) trabalhadores(as) do meio rural e urbano, diversos povos e etnias, valorizando relações igualitárias de gênero. Neste processo integrado e integrador destacaram-se, mais uma vez, as trocas culturais, políticas e de saberes populares e acadêmicos oportunizando, a todos os envolvidos, uma experiência aprendente e ensinante.
A Feira incidiu efetivamente na conquista de recursos públicos afirmando caminhos para consolidação de políticas públicas estruturantes para os(as) trabalhadores(as). Desta maneira, saímos daqui fortalecidos(as), mais preparados(as) para articular a construção da existência, aqui e agora, com um projeto político de desenvolvimento solidário e sustentável, e assim contribuir na transformação da realidade global enfrentando a lógica do capitalismo. Como resposta ao modelo capitalista – que torna a vida e os bens essenciais em mercadoria e objeto de lucro -, a Feira contrapõe-se à lógica dominante e fortalece a luta em favor dos Patrimônios da Humanidade: a Terra, a Água, a Semente, o Ar, que, juntamente com o Fogo, são a energia e a vitalidade do Planeta Terra a serviço da Vida e da Esperança dos Povos. O cuidado com a água, a distribuição justa da terra, o resgate da Semente Crioula, o cuidado com o Meio Ambiente, fortalecem a Vida, o Planeta Terra e a Segurança Alimentar Nutricional Sustentável, para que os “Povos tenham Vida em abundância”.
A construção processual e realização participativa da 15a Feira Estadual do Cooperativismo e eventos que se congregam são fios que integram a rede do Fórum Social Mundial, cuja metodologia participativa, autogestionária, interativa e transformadora inspirou a dinâmica da Feira, constituindo, pela sua dinâmica e resultado, um rico espaço de formação integral. Fortalecem-se, deste modo, as Redes de articulação da América Latina com outros continentes na difusão de um projeto de emancipação dos setores excluídos, os descartados pelo mercado capitalista, na perspectiva de “UM OUTRO MUNDO POSSÍVEL” e de “UMA OUTRA ECONOMIA QUE ACONTECE”.
Em síntese, o diferencial que caracteriza a 15a FEICOOP aparece, entre outros, nos seguintes elementos: a) sua forma de organização integrada, articuladora e interativa; b) a sintonia com o Programa Nacional de Feiras de Economia Solidária; c) a prática do mutirão permanente; d) a força das Comissões na construção e realização da Feira; e) a presença e apoio das parcerias; f) a sua amplidão Cultural; g) a valorização da Formação; h) a sintonia da cidade de Santa Maria em torno do Evento; i) a ausência do cigarro, refrigerante e bebida alcoólica; j) a água, como um Patrimônio da Humanidade, não é comercializada; l) a integração das etnias, dos Países e dos Continentes; m) a presença das diferentes idades (crianças, jovens, adultos e pessoas da 3ª idade); n) o clima de PAZ, Segurança e Integração; o) a participação dos Movimentos Sociais e Pastorais Sociais; p) o apoio da Imprensa.
Como resultado dos debates desenvolvidos durante a Feira, nós participantes assumimos os seguintes compromissos: – Organização dos empreendimentos que compõem as redes da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária-UNICAFES e União e Solidariedade das Cooperativas Empreendimentos de Economia Solidária do Brasil-UNISOL; – Criação de mais incentivos aos empreendimentos para inclusão das cooperativas e dos empreendimentos no processo da economia solidária; – Luta pela extinção dos tributos (CNPJ) para o cooperativismo passando a contribuição para o imposto de pessoa física; – Adequação da legislação cooperativista às necessidades atuais das cooperativas da agricultura familiar; – Convocação dos municípios a participarem do SUASA (Sistema Unificado de Atenção a Sanidade Agropecuária); – Adesão dos movimentos sociais aos programas de garantias de direitos dentro da proposta do SUASA; – Controle de qualidade dos produtos; – Conhecimento e divulgação da legislação 2007-2010 da SUASA; – Busca, através da educação, de caminhos para transformar a realidade e construir cidadania em um espaço onde todos(as) tenham oportunidades de direitos; – Implantação uma economia feminista onde a mulher tenha reconhecimento de sua força de produção e que seu trabalho seja reconhecido como parte integral da economia; – Igualdade de direitos sem distinção de gênero e raça; – Incentivo à formação e à capacitação de lideranças afro-descendentes para que possam atuar nas diferentes políticas públicas; – Desenvolvimento da economia solidária com a comunidade negra garantindo-lhes uma produtividade geradora de inclusão e sustentabilidade; – Reforma agrária como garantia para vida no campo; – Direito à educação do povo indígena; – Que as Feiras de Economia Solidária sejam um exemplo de coleta seletiva e consumo consciente de produtos descartáveis; – Divulgação nas Feiras de Economia Solidária da riqueza do material descartado pelo excesso de consumo; – Educação Ambiental como instrumento de conscientização para um mundo sustentável; – Incentivo de práticas que consolidem um modelo econômico e social focalizado em redes de relações comunitárias; – Proposição de políticas públicas que busquem o desenvolvimento e o fortalecimento de um mundo mais justo e solidário; – Garantia do controle social das políticas públicas incluindo a garantia dos direitos aos trabalhadores; – Preservação da forma cultural de cada país nas relações comerciais internacionais; – Defesa do maior acesso à diversidade alimentar pelos povos; – Agroecologia para fortalecer a alimentação sustentável; – Combate à produção dos transgênicos e ao monopólio dos grandes mercados; – Combate à pressão da mídia em relação à alimentação infantil sem qualidade; – Restrição da posse de terra para os estrangeiros; – Elaboração de políticas públicas de acordo com a economia solidária; – Rompimento com a visão ingênua da realidade (conformismo e pobreza); – Desenvolvimento de programas habitacionais que evitem o retorno às áreas de ocupação; – Rompimento do monopólio da Universidade como produtora de conhecimento (este deve ser uma co-produção através do mutualismo sociedade e universidade). – Formação e capacitação dos empreendimentos para melhor compreensão do modelo neoliberal.
– Incentivo à diversificação da agricultura familiar na cultura de alimentos; – Aumento do número de famílias atendidas pelo Programa Nacional de Reconversão ao Tabaco; – Ampliação da utilização dos produtos orgânicos como alternativa à cultura do tabaco; – Priorização da produção, consumo e comercialização, de acordo com as diferentes culturas regionais; – Resgate de heranças tradicionais através das sementes crioulas; – Integração dos diversos movimentos sociais; – Defesa da juventude como sujeito de direitos, com força, voz e vez nas políticas públicas nacionais; – Construção de um projeto popular para o Brasil, onde a juventude seja protagonista junto com os movimentos sociais organizados. – Divulgação nacional e regional da idéia de trocas com uso de moeda social.
Estes são compromissos da 15ª Feira Estadual de Cooperativismo de Santa Maria para a Economia Solidária e para o 8º Fórum Social Mundial que se realizará de 27 de janeiro a 1° de fevereiro na cidade de Belém, onde esta deixará de ser a capital do Pará para se tornar o centro de toda a Pan-Amazônia e do Mundo. Durante seis dias, Belém, a capital do Pará, no Brasil, assumirá o posto de centro de toda a região para abrigar o maior evento altermundista da atualidade que reunirá ativistas de mais 150 países, em um processo permanente de mobilização, articulação e busca de alternativas por um outro mundo possível, livre da política neoliberal e de todas as formas de imperialismo.
Muito mais de um território para abrigar o FSM a Amazônia, representada por seus povos, movimentos sociais e organizações, será protagonista no processo e terá a oportunidade de fazer ecoar mundialmente suas lutas, além de tecer alianças continentais e planetárias. O FSM 2009 Amazônia será guiado por três diretrizes estratégicas: ser efetivamente um espaço onde se constroem alianças que fortalecem propostas de ação e formulação de alternativas; ser hegemonizado pelas atividades autogestionadas; e possuir um claro acento pan-amazônico.
Por fim, sintonizamos com o sonho e a bênção de Dom Ivo Lorscheiter, o Profeta e Gigante da Esperança e Cidadão do Mundo, que teve um papel fundamental na atual Feira que fortalece o trabalho, a mística, a organização popular e as políticas públicas. E sigamos o seu apelo: “VÁ E ENVOLVA O MUNDO NA ESPERANÇA”!
Neste espírito convidamos todas e todos para a 16ª. FEICOOP que será realizada nos dias 10 a 12 de julho de 2009.
Santa Maria 13 de julho de 2008.