Fonte: Entrevista com Konde Emmanuel feita pelo Ibase
Durante 40 anos, Angola sofreu pressões de guerra. Com a “chegada da paz”, a partir de 2002, pessoas e grupos se mobilizaram visando a recuperação do país e seu desenvolvimento. Conversamos com o economista Konde Emmanuel, 38 anos, integrante da ONG Development Workshop (DW), que esteve no Brasil para a realização de intercâmbio. A entrevista tem como principal foco o desenvolvimento local.
Ibase – Fale do trabalho realizado pela DW.
Konde Emmanuel – É uma ONG que nasceu há 26 anos em Angola. Começamos a ajudar a população, mesmo na fase difícil da guerra. Naquela época, já atuávamos com algum componente de desenvolvimento. Com o fim da guerra, a partir de 2002, tivemos que rever a nossa filosofia de atuação, focando com maior ênfase no desenvolvimento.
Ibase – Qual a realidade de Angola em termos de desenvolvimento local?
Emmanuel – Depois do fim da guerra, o país começou a perceber que tinha que se organizar em múltiplos setores da vida da sociedade. Surgem decretos de lei que visam a descentralização do poder e a descentralização administrativa e financeira (decretos 2/07 e 1/07).
Temos um modelo bonito de desenvolvimento, mas o que falta é a prática. O desenvolvimento passa pelas pessoas, é preciso prepará-las. Aí, encontramos um grande vácuo e uma grande possibilidade de atuação. Mudar o pensamento das pessoas, seja governo ou sociedade civil, é o maior desafio.
A guerra foi um período muito chato. A população ainda está com medo. Nossa tarefa é acabar com o medo e partir para processos de empoderamento. É preciso chamar a atenção do governo para o fato de estarmos em outra fase. É preciso respeitar a vontade da população e ajudar na formação dos quadros.
Ibase – Quais seriam os principais motivos de medo por parte da população?
Emmanuel – Até bem pouco tempo, você era considerado suspeito se reunisse pessoas para discutir assuntos da comunidade. Daqui a pouco, estava a segurança do Estado em cima de ti, para saber exatamente o que discute, se é alguma manifestação. E isso está na mente das pessoas. As ONGs estão amenizando isso, pouco a pouco, junto à população.
Ibase – Como é feito o controle social do Estado?
Emmanuel – Os decretos 2/07 e 1/07 têm apenas um ano. Esses projetos de leis dão abertura para a inclusão das comunidades. Estamos trabalhando nesse sentido, mas controle social ainda não existe. Nossa meta é chegar lá.
Ibase – Há espaços de discussão criados por grupos organizados, como fóruns e assembléias?
Emmanuel – Sim. Temos o Fonga, por exemplo. Mas por questões políticas, não sei exatamente quais, começou a ficar fragilizado. Nos últimos tempos, tem mudado seu foco, principalmente por uma questão atual em Angola: a preparação para as eleições.
Quem participa desses fóruns são pessoas mais esclarecidas. Essa não é a realidade da comunidade angolana. Há uma porcentagem grande de analfabetos no país.
Ibase – A DW participa ativamente desse fórum?
Emmanuel – A DW, além de participar desse fórum, faz parte de uma plataforma eleitoral que congrega vários atores e acompanha todo o processo logístico do cidadão no processo eleitoral. Vamos participar na observação das eleições.
Ibase – Poderia citar exemplos de iniciativas de desenvolvimento local?
Emmanuel – Desenvolvemos o Programa de Desenvolvimento Municipal (PDM), no âmbito da DW. Sentamos com pessoas da administração municipal para saber o que fazem, medir debilidades, acompanhar trabalhos, verificar se entendem de leis, se têm as habilidades necessárias. Dessa forma, encontramos um déficit muito grande na área de finanças, gestão financeira, finanças públicas. Encontramos déficit de conhecimento sobre “bom governo”, liderança. A partir disso, formatamos módulos de treinamentos específicos.
Ibase – Quais as diferenças/semelhanças entre Brasil e Angola em termos de desenvolvimento local?
Emmanuel – Costumo dizer que, apesar de o Brasil estar a 50, 100 anos à frente de Angola, também demos um passo qualitativo em termos de recuperar o tempo perdido. São apenas seis anos de paz. Angola conseguiu fazer aquilo que o presidente chama de ‘Angola como canteiro de obras’. Isso em todos os sentidos. Já é um passo grande.
Outra semelhança é a organização das questões fundiárias. O Brasil tem vantagens, aplica metodologias avançadas, mas também há muitas semelhanças. Apesar de Angola ter o conceito de que a terra pertence ao Estado, diferente daqui. Mas com relação à divisão, a locação das terras para construção, podemos dizer que há um padrão quase idênticos que se usam no Brasil.
Ibase – Como surgiu a idéia de intercâmbio entre Brasil e Angola?
Emmanuel – O intercâmbio é uma espécie de continuidade do que aconteceu em Luanda, quando convidamos Ibase, Pólis e pessoas particulares para ir a Angola ver a experiência pela qual o país estava passando. Organizamos uma conferência que abarcou três províncias das 18.
A troca de experiência não foi só entre Brasil e Angola, mas também com Moçambique, que já apresentava avanços sobre o processo de descentralização e desconcentração. Tentamos checar experiências sobre descentralização, mas voltados para o desenvolvimento local.
Ibase – O que leva de experiência para seu país após esse período no Brasil?
Emmanuel – As demandas para a preparação de planos de desenvolvimento integrado são grandes. As administrações municipais deveriam preparar, de acordo com as leis, esse plano de desenvolvimento, integrando a comunidade. Os planos foram feitos sem a inclusão efetiva da comunidade. Fizeram consultas a algumas autoridades, mas não integraram, não usaram as técnicas que encontramos aqui no Brasil. Estamos levando daqui muitos subsídios. Claro que nem tudo que vimos aqui é aplicável em Angola. São contextos deferentes, portanto temos que ver as similitudes para aproveitar o que dá para aproveitar.
Publicado em 13/6/2008.