Fonte: Texto de Marcos Henrique Guimarães

A política não é uma ciência, é uma arte. Esta frase do militar prussiano Otto von Bismarck (1815-1898), revela que a intuição faz parte da sabedoria política. E dois fatos revelam intuitivamente que as avaliações sobre a crise imobiliária norte-americana são determinantes para uma mudança de rumo na economia mundial. O primeiro deles é a declaração de um expoente do pensamento capitalista, o mega-especulador George Soros, em Davos: “A crise atual é não só o fracasso que se segue ao boom imobiliário, é basicamente o fim de um período de 60 anos de contínua expansão do crédito baseada no dólar como divisa de reserva.

Agora o resto do mundo está cada vez mais relutante em acumular dólares”. O segundo vem de um conceituado teórico da esquerda italiana, Giovanni Arrighi:”… a China como o Japão nos anos oitenta, adquirem bônus do tesouro americano através dos quais os Estados Unidos financiam seu domínio no mundo. A crise das bolsas põe fim a esta loucura. Também marcam o fim da hegemonia americana na economia mundial”.

República de bananas – Estes dois exemplos, um de “esquerda” e um de “direita”, demonstram o “pano de fundo” teórico existente na Europa para o debate sobre os rumos da economia mundial. Se, como afirma Paul Craig Roberts, ex-secretário assistente do Tesouro na administração Reagan, os EUA não forem capazes de equilibrar o seu Orçamento através do corte de gastos ou aumentando impostos, o Império Americano terá chegado ao fim: “No dia em que não mais puder tomar emprestado veremos o governo pagando as suas contas imprimindo dinheiro como uma república bananeira do Terceiro Mundo. Inflação e mais depreciação da taxa de câmbio estarão na ordem do dia”. O que se discute na Europa neste momento não é o que acontecerá, mas quando acontecerá e o que irá substituir o modelo norte-mericano existente.

O mundo ocidental terá que explicar a China – A bola da vez no cenário econômico será a China. Mas se o que existe na China não é o socialismo, e existe um razoável consenso entre as esquerdas sobre isto, também não é um modelo baseado na fragilidade do Estado como pregavam doutrinariamente os neoliberais (para os outros, claro). Também, um olhar sobre a construção do processo econômico Chinês não pode ser simplificado como querem alguns jornalistas apressados, jogando a culpa do “atraso” do país à Revolução Cultural e o “sucesso” apenas às reformas chamadas “capitalistas”. Existe um curto espaço de tempo (1949) para explicar como a China evoluiu do regime feudal, sendo até então um dos países mais atrasados do mundo e dominado política e militarmente por nações estrangeiras, para o status de potência econômica. Seria exigir demais da imaginação acreditar que este salto se deu a partir do “nada”, em tão curto espaço de tempo, e que a Revolução socialista não teve nada a ver com isso. Isso já tinha acontecido em menor escala com a Rússia, com todas as incoerências do modelo socialista implantado naquele país. Em síntese, os neoliberais terão que explicar como a China conseguiu, com um ¼ da população mundial vivendo em seu país, em tão curto espaço de tempo, aquilo que as nações capitalistas levaram séculos para conseguir as custas do saque das riquezas do resto do mundo. No restante, a deterioração do meio ambiente, a exploração da mais valia, a utilização do sub-emprego não servem como justificativa para as nações exclusivamente capitalistas, já que todas tiveram em larga escala as mesmas práticas. O fato é que os teóricos capitalistas e socialistas terão que voltar os seus olhos para a China para explicá-la. E isto difere de olhar para qualquer exemplo exclusivamente neoliberal, já que o Estado chinês com suas particularidades, pode ser tudo, menos um estado mínimo e frágil. A mudança da correlação de forças no cenário político mundial também poderá facilitar a construção de modelos alternativos. Ainda que a China mantenha uma política econômica agressiva com relação ao resto do mundo, isto não representa nem de longe o Estado bélico e de coerção mantido pelos EUA. Com o declínio do império Americano, haverá espaço para a uma maior independência da América Latina e o Oriente Médio, por exemplo.

Oportunidade de avanço – Os socialistas do mundo devem estar preparados para avançar rapidamente num momento de fragilidade das teses neoliberais. Para isto devem compreender o momento que estão vivendo. É bem provável que o declínio dos EUA signifiquem para o mundo o mesmo que a queda do muro em Berlim significou para a esquerda. Cabe a nós jogarmos uma pá de cal sobre o modelo e explorarmos ao máximo esta oportunidade.

* Marcos Henrique Guimarães é jornalista, escritor e presidente do PSOL em Curitiba. Este artigo encontra-se em www.dra.clair.nom.br e www.psolpr.org.br