Fonte: Texto de Najar Tubino*
Enquanto se discute o futuro da Amazônia no Brasil e no mundo, na prática, ele já está traçado, definido há mais de 30 anos. Começou com o “integrar para não entregar” dos militares, e segue engrossado, agora, pela tecnologia e a democracia. Não adianta argumentar que a Amazônia é parte importante do clima mundial, que tem a maior biodiversidade de plantas e animais, ou que descarrega 20% da água doce do mundo. Ela já é uma gigantesca fazenda, toda picotada por lavouras de soja e rebanhos bovinos.
Os dados estão no Censo Agropecuário de 2006, os primeiros levantamentos divulgados pelo IBGE.
Na região Norte foi verificado o maior aumento relativo na área de lavouras. Outra informação importante é a interiorização e intensificação da pecuária bovina, que se verificou com a ocupação de novas áreas no leste do Pará, em praticamente todo o Estado de Rondônia, e no noroeste do Maranhão. Outra área de aumento de ocupação por bovinos está localizada ao longo do rio Amazonas e alguns afluentes importantes, desde o norte do Pará.
O Brasil tem 172,3 milhões de hectares de pastagens e quase 77 milhões de hectares de lavouras. O rebanho bovino passa dos 200 milhões de cabeças. A região Norte, que inclui Amapá, Tocantins, Pará, Acre, Rondônia e Amazonas, tem o segundo maior rebanho, superando as regiões Sudeste e Sul.
São 40 milhões de cabeças e um percentual de 19,9%. A maior concentração de bovinos está no Centro Oeste – Goiás, Mato Grosso do Sul – com 70 milhões de cabeças, um percentual de 34,3%. Independentemente da metodologia de pesquisa, a região norte do Mato Grosso está dentro da Amazônia, e é onde a pecuária mais se expandiu nos últimos 10 anos. Outra área é o noroeste do Maranhão, na fronteira com Pará. É o chamado arco de desmatamento, onde os focos de incêndio estão concentrados.
A crônica de uma morte
Gilberto Freyre, no livro “Nordeste”, de 1937, descreve a expansão da monocultura da cana, no sertão, a chamada zona da mata, numa época em que não havia televisão ou satélite, um triste privilégio que temos agora, ao assistir ao vivo e a cores – e em alta definição – a destruição da maior floresta tropical do mundo.
Sabe-se o que era mata do Nordeste, antes da monocultura da cana: um arvoredo “tanto e tamanho e tão vasto e de tantas plumagens que não podia homem dar conta”– o canavial desvirginou todo esse mato grosso de modo mais cru: pela queimada. A fogo, foram-se abrindo no mato virgem os claros por onde se estendeu o canavial civilizador mas ao mesmo tempo devastador.
Mudaram os tempos, os séculos, mas os métodos continuaram os mesmos. Os objetivos idem. Não sei se foram tecnocratas militares ou civis que traçaram o destino da Amazônia. Pouco importa, mostraram-se totalmente eficientes.
Vejamos alguns números, sempre comparando o período de 1996 com 2006, quando o IBGE visitou 5,2 milhões de propriedades no país. São 354,8 milhões de hectares ocupados. Antes, uma consideração: os números relativos ao Mato Grosso, que não faz parte oficialmente da Região Norte, mas é parte integrante da Amazônia, estão abaixo das informações da vigilância sanitária estadual.
Nos últimos anos, em função do controle da febre aftosa, órgãos governamentais fiscalizam todas as propriedades dos estados, como no Centro-Oeste, checam os números de cabeças, número de vacinas, mais o que é declarado na receita estadual, e cruzam as informações.
Ao invés de 26 milhões de cabeças, caso do Mato Grosso, o número do IBGE é 19 milhões de cabeças, uma diferença significativa. Ocorreu uma diminuição nos últimos tempos, em conseqüência de uma crise de preços no setor. Não quer dizer que os pecuaristas tenham abandonado suas fazendas, mesmo que os pastos já estejam degradados e que a chuva no último ano tenha atrasado um mês, com conseqüências sérias para todo mundo.
O Pará segue o rumo
O campeão dos focos de incêndio mais que dobrou o rebanho em 10 anos: passou de 6,080 milhões para 12,8 milhões de cabeças. A área de pastagem cresce no mesmo ritmo: de 7,4 milhões para 13,1 milhões de hectares.
O maior crescimento, no entanto, está na área ocupada por lavouras – leia-se soja –, que saltou de 808,3 mil hectares para 3,2 milhões de hectares (exatamente quatro vezes). Rondônia vem em segundo lugar, no comparativo de rebanho, área de pastagens e lavoura – pulou de 3,9 milhões de cabeças, uma área de pastagens de 2,9 milhões de hectares, para 5,06 milhões de hectares. A área de lavoura cresceu de 432 mil hectares para 513 mil hectares.
O campeão de crescimento do agronegócio foi o Amazonas. Em 1996, tinha uma área de 235 mil hectares de lavouras, e hoje tem mais de 2,3 milhões de hectares (10 vezes mais). A área de pastagens quadruplicou: de 528 mil hectares para 1,8 milhões de hectares, e um rebanho que cresceu de 733 mil cabeças em 1996 e agora supera os 1,2 milhão de cabeças. No Acre, o rebanho aumentou de 847 mil para 1,7 milhões de cabeça, e a área de pastagens de 614 mil para 1.032 milhões de hectares.
Somando-se os estados do Norte, parte do norte do Mato Grosso e oeste do Maranhão, as áreas de pastagens devem chegar a 40 milhões de hectares, o que daria mais ou menos uma cabeça por hectare, num rebanho de 40 milhões de cabeças. Sem contar o Tocantins e o Amapá, as áreas de lavouras superam os 10 milhões de hectares.
Citando novamente Gilberto Freyre na crônica do Nordeste, que serve para o Norte, atualmente: “A história natural – como a social – do nordeste da cana, nestes quatro séculos, é uma história de desequilíbrio, em grande parte causado pelo furor da monocultura. Suas fomes, algumas de suas secas e revoluções são aspectos desse drama. Um dos aspectos mais cruéis foi o da destruição da mata, importando na destruição da vida animal e é possível que em alterações de clima, de temperatura e certamente de regime de águas. Alterações desfavoráveis à própria cana e ao próprio senhor de engenho. Desfavoráveis à vida do homem e dos animais da região.”
Enquanto isso, no mundo dos negócios
Em outubro, a cada dois anos, é realizada em Anuga, na Alemanha, uma feira internacional de carnes. Com um estande de 1.300 m², a Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carnes (Abiec), com apoio da Apex-Brasil, apresentou o meio ambiente como tema central.
Na entrada do restaurante havia o “Espaço Bioma”, com 30 m² de área com pastagem natural “e uma paisagem linda de uma fazenda, além de som de pássaros e outros animais de seis regiões do Brasil, como Mata Atlântica, Cerrado e Amazônia”, conforme matéria publicada no site da entidade. Como disse o diretor executivo, Antônio Camardelli: “Decidimos não focar somente no boi de capim, mas também nas condições sanitárias do processo produtivo e na sustentabilidade social e ambiental.”
Para compensar as emissões de carbono, na viagem das comitivas Brasil-Alemanha, a Abiec financiou a transformação de oito (!) hectares de uma fazenda do Pantanal em Reserva de Proteção Patrimônio Natural e servirá de habitat para a onça-pintada.
Seguindo nesse ritmo, a Amazônia, nos próximos 10 anos, vai acabar se tornando o maior rebanho do país. O gado zebu, Nelore, importado da Índia, e os capins africanos (as braquiárias), além da soja chinesa, ocuparão militarmente os espaços da floresta. Isso não é uma previsão. É somente a crônica antecipada da morte da Amazônia.
* Najar Tubino é jornalista, autor do livro “O Equilíbrio”. Nos últimos anos tem se especializado em questões relativas ao funcionamento do planeta, e atualmente divulga o seu trabalho na palestra “Uma visão holística e atual sobre a integração do planeta”. Contato para agendar palestra pelo e-mail: najartubino@yahoo.com.br