Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil (www.diplo.uol.com.br)
No Equador, uma rede de produção e comércio solidário reúne 26 mil pessoas, tem gestão baseada em assembléias e conquista consumidores em muitos países. Experiência revela: é possível ser viável oferecendo, ao invés das “vantagens” mercantis, respeito aos direitos sociais e à natureza.
Iniciativas de economia solidária e alternativa têm alcançado sucesso crescente em todo o mundo. Parte importante dos consumidores está deixando o hábito capitalista de buscar apenas o preço mais vantajoso e começa a se preocupar com a qualidade dos produtos e — novidade principal — com as condições sociais e ambientais em que são produzidos. Esta mudança cultural torna possíveis experiências como a interessantíssima MCCH, do Equador.
Original desde seu nome, a MCCH reúne as iniciais — em quéchua e espanhol — do princípio que rege a associação: Maquita Cushunchic, ou Comercializamos como Hermanos…. É uma grande organização guarda-chuva de comércio justo, comprometida com os valores e as práticas da Economia Solidária. Não é obra de um pequeno grupo: envolve 26 mil pessoas, produtores, consumidores e comerciantes de produtos que procedem de mais de 400 organizações en 21 províncias equatorianas. Agrupa 12 empresas comunitárias agrícolas e uma empresa comunitária de armazenagem, que presta serviços a cem organizações.
Nasceu de uma experiência de comercialização alternativa nos bairros do sul de Quito, com o objetivo principal de melhorar as relações de intercâmbio de produtos entre a cidade e o campo — tradicionalmente nas mãos de alguns monopólios. A MCCH foi fundada em 1985 com o único objetivo de abastecer as populações das favelas de Quito com produtos alimentícios mais baratos, procedentes de pequenos agricultores. Com o tempo, foram se desenvolvendo progressivamente muitas “lojas populares ou camponesas”, pequenos comércios que oferecem produtos básicos de alimentação. A MCCH é célebre em várias partes do mundo por seu produto mais conhecido, o cacau, mas produz também alimentos ecológicos, como o açúcar da cana, a rapadura, e os fungos secos. Também oferece produtos artesanais, como malhas e objetos em madeira de balsa.
A rede orgulha-se de sua viabilidade econômica. E é gerida por meio de assembléias de produtores
Atualmente, o principal objetivo da MCCH é apoiar o fortalecimento das organizações associadas, através de ações comunitárias de comercialização e formação, segundo princípios de solidariedade, e com a vontade de transformar a sociedade equatoriana. Os camponeses trabalham em fazendas ecológicas, nas quais produzem para consumo próprio e para a exportação. A produção é diversificada, para diminuir a dependência: pimenta, coração de alcachofra, milho anão, batatas para chips, fibra de alpaca.
A MCCH obteve a viabilidade econômica. 100% do artesanato e 95% dos alimentos que produz são comercializados através de canais de comércio justo, assim como 6% do cacau. Do total de suas receitas, 15% vem de um setor inovador, o turismo local. Realizam trabalhos de incidência política através da associação de cacaueiros.
A participação democrática dos grupos de gestão realiza-se por meio das assembléias regionais e da assembléia geral, compostas por representantes de todos os grupos.
A MCCH tem como um de seus principios fundamentais trabalhar sob critérios de produção ecológica ou, ao menos, de tecnologia amigável com o meio ambiente. Isso significa a ausência de agroquímicos prejudiciais. A certificação ecológica não se faz de forma parcial, para cada produto, mas para o conjunto de cada propriedade. Vigora o conceito de “bem integral”, onde também os animais interagem com o ambiente, num processo produtivo ecológico. A maior parte do que se produz nas terras é o cacau ou a cana de açúcar, mas também os outros produtos destinados ao consumo são ecológicos.
Ao invés das pressões mercantis por preço baixo, o apoio dos consumidores conscientes
A MCCH é filiada à IFAT, a Associação Internacional de Comércio Justo, mas, mesmo antes de se associar, já trabalhava com os princípios da agricultura ecológica. Enrique Medina, o economista agrícola da organização, relata. “Nosso trabalho consiste mais em manter os valores e condutas que os produtores herdaram de sua cultura ancestral. Na gestão de seus cultivos, eles seguem naturalmente os critérios do comércio justo. Entretanto, correm o risco de ser invadidos por tecnologias introduzidas pelas grandes empresas, que fomentam o cultivo convencional. Ao ofercer alguma assistência agropecuária, o pessoal do MCCH, ratifica os princípios originais da produção nativa. O que mais tem influido na conservação de suas formas produtivas é a motivação”.
Medina explica que, além do orgulho por seus métodos conscientes de cultivo, os produtores têm se animado com a abertura crescente dos consumidores a estes princípios. “O que mais os motiva é saber que o produto cultivado sobre as mesmas premissas que vinham trabalhando historicamente tem valor no mercado. Desta maneira, as tradições culturais dos agricultores entram em sinergia com os critérios do consumo responsável que estão se difundindo pelo mundo”.
Esta mudança de hábitos tem sido capaz de evitar a introdução das lógicas capitalistas no cultivo. O economista prossegue. “Diante de situações adversas, o pequeno agricultor encontra duas possibilidades para manter-se no modelo convencional: ou super-explorar a mão de obra, ou os recursos naturais. Muitos produtores, como não dispõem de capital de inversão, super-exploram a mão de obra familiar, as terras ou ambos, para chegar ao mercado”.
Projeto: ser “opção não apenas para a classe média, mas para todos os consumidores”
As conseqüências são duras: “No Equador, está sendo rompida a fronteira agrícola da produção a 4 mil metros acima do nível do mar, onde antes só havia desertos e pastagens. Isto não é sustentável. O sistema econômico operante levou os camponeses a explorar a única coisa que têm: pouco terreno e mão de obra. Há outros fatores adversos, que também atacam drasticamente os produtores no Equador, como uma refoma agrária inadequada e uma má distribuição de terras. Esta dinâmica de sobre-exploração dos recursos naturais, que considera a agricultura e o terreno como simples mercadorias, vai encurralando o desenvolvimento das pessoas e da terra”.
A MCCH não se limita a denunciar. Propõe saídas: “Estamos dando impulso a opções mais sustentáveis, mais dinâmicas, e vamos recuperando alternativas para não abusar desses espaços. Como organizações de comércio justo, temos que fazer a cadeia de comercialização mais eficiente. No momento que superarmos esta dificuldade e tivermos preços mais competitivos, veremos resultados. Seremos verdadeiramente uma grande opção, não somente para um cidadão de classe média-alta, mas também para todos os consumidores”.
Os objetivos são ambiciosos. Enrique Medina explica. “Fazer a cadeia mais eficiente passa por incrementar volumes de produção e comercialização. Se continuarmos sendo marginais quanto ao nível de consumo, isso vai gerar problemas em todos os pontos da rede. Por outro lado, é importante continuar trabalhando na sensibilização. Quando o volume de compras e consumo for maior, estou completamente convencido de que a cadeia será mais eficiente. Nossa dinâmica poderá enfrentar o Golias dos valores mercantis. Queremos conquistar os consumidores gerando consciência”.
Artigo de Carola Reintjes
Tradução: Gabriela Leite Martins (gabileite89@gmail.com)