Fonte: www.estadao.com.br
O sucesso de um restaurante em Londres indica uma nova tendência na capital britânica: casas que adotam práticas para reduzir, o máximo possível, o seu impacto no meio ambiente. Incluído na nova edição do London Restaurant Guide, o guia de restaurantes de Londres, o restaurante Acorn House, em King’s Cross (região central), tem recebido críticas elogiosas de jornais como The Times e Independent. Para o Observer, trata-se do “restaurante mais ético da Grã-Bretanha”. A Acorn House diz usar ingredientes produzidos de forma sustentável por produtores independentes, transformar todas as sobras em adubo ou lixo reciclável e tentar usar fontes renováveis de energia.
Recentemente, em um jantar e palestra em Londres, o chef da Acorn House, Arthur Pott-Dawson, disse que seu sonho é abolir o papel higiênico nos banheiros do restaurante. E insistiu em apagar todas as luzes para economizar eletricidade.
À luz de velas, a platéia saboreou uma seleção de legumes orgânicos cultivados no jardim de Pott-Dawson, mussarela fresca do tipo burata, frutas e merengue orgânicos, vinhos orgânicos e suco de maçã industrializado, também orgânico.
Aos 36 anos de idade, Arthur Pott-Dawson já trabalhou em casas que são referência na gastronomia internacional. Foi treinado no badalado River Cafe, à margem do Tâmisa, e depois foi convidado pelo chef celebridade Jamie Oliver para integrar sua equipe no famoso Fifteen, no bairro de Islington, no norte de Londres.
Em entrevista à BBC Brasil, ele disse que não quer impor sua visão, apenas deseja que as pessoas se conscientizem de como seu comportamento afeta o meio ambiente e de que há alternativas possíveis ao atual estilo de vida.
A Acorn House está em funcionamento há um ano, e segundo Pott-Dawson, a idéia de um restaurante ecológico já provou ser viável financeiramente.
“Se você compra os produtos da estação, sai mais barato. Estamos recebendo um grande apoio do público e não estamos perdendo dinheiro. Dentro de seis meses ou um ano seremos um modelo comercial de sucesso.”
Pott-Dawson conta que no River Cafe aprendeu a só trabalhar com os melhores ingredientes. Hoje, no comando da Acorn House, diz que a filosofia continua a mesma, nunca menos do que “o melhor”. A diferença, ele explica, é que o melhor tem de ser também produzido localmente.
“Estou usando produtos da estação produzidos localmente por pessoas em quem confio. Em vez de comprar peixe do Pacífico ou do Atlântico, eu compro um produto que vem de perto, mas só aceito o melhor.”
Entre os restaurantes londrinos que estão agregando princípios de preservação do ambiente às suas práticas, estão também Konstam, Vitaorganic Café, Pumpkin e The Duke of Cambridge.
Especialistas dizem que as questões envolvidas são complexas e que ainda é difícil quantificar a contribuição real de iniciativas como essas.
A organização ambientalista britânica Friends of the Earth, no entanto, dá seu aval a casas como a Acorn House.
“É fantástico ver empresas como a Acorn House, que priorizam e promovem a sustentabilidade. Muitos outros restaurantes poderiam, com facilidade, usar produtos locais e reduzir ou reciclar as sobras mais efetivamente”, disse Nicky Stocks, porta-voz da entidade.
“Pesquisas de opinião mostram quão preocupadas as pessoas estão com a ameaça que a mudança climática representa. Empresas inteligentes deveriam reconhecer isto e oferecer soluções para o consumidor.”
A indústria de alimentos é conhecida pelo grande desperdício, algo que preocupa Pott-Dawson.
“Todas as sobras de comida – cabeças de peixe, restos de carne, pão – cem por cento dos resíduos orgânicos viram adubo e vão para a terra”, afirma.
“Eu tento reutilizar todo o material usado como embalagem e também as caixas. Recuso produtos que vêm com excesso de embalagem, mas quando não dá para evitar, reciclo o material.”
O menu da Acorn House oferece opções de porções menores, medida que, segundo o seu dono, também visa a redução do desperdício.
“Temos porções do tamanho que você quiser, para evitar o impacto do desperdício sobre o seu corpo e sobre o meio ambiente.”
Algo que há muito ele gostaria de abolir é o papel higiênico. “Vou tentar (abolir o papel higiênico) no próximo restaurante”, disse Pott-Dawson.
“Os japoneses, por exemplo, usam um sistema que é como um bidê, que lava e depois seca você, é como um secador de cabelo.”
“O que as pessoas não entendem é que, mesmo quando se usa papel reciclado, há desperdício, porque é preciso muita energia para reciclar.”
Pott-Dawson reconhece que o sistema do bidê japonês usa água e eletricidade, mas diz que é possível usar eletricidade produzida por fontes renováveis.
“Não vamos mudar o mundo mas queremos conscientizar o público a quebrar os padrões da normalidade.”
No Acorn House os clientes são incentivados a beber água filtrada, servida de graça, ao invés da engarrafada.
O restaurante aboliu o ar condicionado, usando água fria de um canal atrás do prédio para refrigerar o ambiente. A iluminação é feita com lâmpadas de baixo consumo de eletricidade.
Entregas que chegam e saem do restaurante são feitas com veículos que usam biocombustíveis ou energia elétrica
Pott-Dawson disse, no entanto, que está repensando o uso de biocombustíveis. Segundo ele, esses combustíveis têm efeito danoso sobre o terceiro mundo.
“Em escala global, muito dinheiro está sendo investido, por exemplo, em óleo de palmeira africano, prejudicando o meio ambiente e as economias locais.”
Muitos criticam a decisão de Pott-Dawson de não importar produtos de países à longa distância. Os críticos argumentam que, se o primeiro mundo parar de comprar do terceiro, as populações desses países vão sofrer.
“O primeiro mundo criou uma economia de mercado onde nós dizemos ao Brasil para produzir soja. Mas a soja não vai ajudar o Brasil a ser auto-sustentável, só vai tornar os ricos do Brasil mais ricos.”
“Além disso, a soja está matando a floresta. Temos de voltar a uma economia local de mercado ao invés de termos o primeiro mundo ditando para o terceiro mundo o que deve produzir.” BBC Brasil – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
Por Mônica Vasconcelos – BBC