Fonte: www.recid.org.br
Em vista de seu 3° Congresso, PT convoca movimentos sociais para diálogo com a perspectiva de reavivar relações. Conservadorismo do partido e do governo são apontados como principal obstáculo a uma reaproximação.Como parte do processo de preparação do seu III Congresso Nacional, que acontece de 31 de agosto a 2 de setembro em São Paulo, o PT decidiu reaquecer as relações com os principais movimentos sociais do país. Tanto para reavivar o contato com suas bases históricas, como para que a “efervescência do movimento social contamine o congresso do PT”, como colocou o secretário de Movimentos Populares do partido, Renato Simões.
O convite para o diálogo, que aconteceu nesta segunda (30) em São Paulo e reuniu dirigentes do PT com o MST, a CUT, a UNE, a Assembléia Popular e os movimentos feminista, de direitos humanos, negro e de moradia, ocorre após a realização dos congressos do MST (o maior encontro da história do movimento, com cerca de 17 mil militantes) e da UNE (com cerca de 8 mil participantes). Também se antecipa à marcha nacional da CUT a Brasília no próximo dia 15, quando a central pretende exigir do Congresso Nacional e do governo uma posição contrária a várias medidas, como a Emenda 3, que flexibiliza direitos trabalhistas, a reforma previdenciária, a proibição de greve no funcionalismo e a criação de fundações privadas para gerir serviços públicos, entre outros.
Segundo Renato Simões, com a conversa desta segunda, que pautou os temas “Os Movimentos Populares e o Brasil que queremos”, “Os Movimentos Sociais e o Socialismo” e “O PT e sua relação com os Movimentos Sociais”, o objetivo do partido é buscar um diálogo mais permanente com os movimentos após um afastamento do governo e do PT do setor.
“Há situações em que o PT dialoga muito menos com os movimentos do que gostaríamos”, afirma Simões, para quem, mantida a autonomia das partes, seria preciso potencializar as pautas comuns e buscar acordos nas divergentes, já que o PT nasceu dos movimentos e seria ainda a principal referência partidária para eles.
Avaliando a iniciativa do PT como positiva, os movimentos não deixaram de cutucar partido e governo. Segundo João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do MST, a última conversa com a direção do PT havia ocorrido ha quatro anos, com José Genoino, então presidente, Delubio Soares, tesoureiro, e Silvio Pereira, secretário geral do partido. De lá pra cá, nem o PT nem o governo teriam se mostrado muito abertos ao diálogo.
Para os movimentos, a principal queixa é a falta de disponibilidade de ambos de debater com as organizações sociais as estratégias políticas para o país. Segundo Rodrigues, nos dois primeiros anos de Governo Lula ainda havia a expectativa de que seus rumos estariam em disputa, mas o quadro atual apresentaria um desequilíbrio onde a balança estaria pendendo francamente a favor das forças conservadoras e dos interesses do capital financeiro. “A situação agora está tão desigual que parece que o time adversário tem o campo, a bola, a torcida e o juiz. A perspectiva histórica de mudanças não está dada”, afirma.
Nesse sentido, infelizmente os movimentos ainda estariam em um estágio de resistência. “O capital financeiro domina em todas as instâncias. Seria bom podermos discutir a atualização dos índices de produtividade no campo, o salário mínimo”, mas não é a condição posta no momento, diz Rodrigues.
Segundo Antônio Carlos Spis, membro da direção nacional da CUT e secretário da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), o principal elemento de oposição entre movimentos e o governo é a política econômica implementada com participação fundamental de dirigentes do PT. Sem mudanças radicas neste quesito, avalia, não é possível uma aproximação com os movimentos, assim como fica mais difícil discutir a sucessão presidencial em 2010.
Adotando a linha ‘relação histórica PT-Movimentos’, Spis reforçou a persistência de algum tipo de conexão entre a CMS, o partido e o governo – o que a diferenciaria de outras forças sociais que se colocaram na oposição partidária e política a Lula -, e seu engajamento teria sido fundamental para definir os resultados do segundo turno nas últimas eleições presidenciais, mas adiantou: os movimentos têm que ter a tranqüilidade, num quadro de sucessão, de que serão implementadas políticas sociais concretas, e não apenas “bolsas isso e aquilo”. E adendou: “queremos discutir a conjuntura nacional, e não só em alguns momentos”.
Por outro lado, Spis criticou duramente a incapacidade do PT e do governo de avançar em algumas questões prioritárias para os movimentos. Entre estas, além da política econômica estaria a anulação do leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, eleita pelos movimentos como bandeira emblemática da corrupção do governo de Fernando Henrique e o empoderamento do capital financeiro; ou a democratização dos meios de comunicação, uma vez que, na contramão desta pauta, o governo não apenas estaria perpetuando o poder dos grandes grupos sem a discussão do direito às concessões públicas de rádio e TV, como também teria aderido à campanha de criminalização das rádios comunitárias. “Tem concessão para todo mundo, menos para nós”, afirmou Spis.
O distanciamento do PT de bandeiras históricas do partido e dos movimentos tem sido o elemento mais visível de um processo de amortecimento das lutas sociais e da participação popular. Segundo Roseana Queiroz, dirigente do Movimento Nacional de Direitos Humanos, a institucionalização que passou a dominar as estratégias do partido e de suas relações com o poder não apenas levaram à desmobilização social das bases partidárias, substituindo o debate político pelo clientelismo, como deixou órfãos vários segmentos.
“Muitas Comissões de Direitos Humanos [nas Assembléias estaduais] não estão mais nas mãos do PT. No partido, nós nos deparamos inclusive com a defesa pela não abertura dos arquivos da ditadura”, criticou Roseana. Por outro lado, denunciou, projetos prioritários do governo, como a construção de hidrelétricas na Amazônia e a transposição do rio São Francisco, são grandes violadores de direitos humanos. “Quem deu carta branca ao PT e ao governo para defender a transposição? Os movimentos são contra!”, afirmou.
Encaminhamentos Apesar de ter partido da Executiva Nacional, a iniciativa do diálogo com os movimentos sociais e a ressurreição das secretarias setoriais do PT – gênero, raça, juventude, movimentos populares, cultura, etc – não deverá ser um processo simples. Já na abertura do evento, o presidente do partido, Ricardo Berzoini, advertiu que o PT “é uma junção de muitas correntes partidárias” com várias visões, e a combinação partido/governo/movimento é conflitiva por defender interesses específicos. As diferenças, segundo Bersoini, não se resolvem de forma simples, e têm de ser tratadas “à luz dos interesses e das institucionalidades”.
Apesar de ter no PT o partido mais influente, o governo é composto de uma coalizão que, nas disputas, nem sempre possibilita os resultados mais favoráveis para o setor social, argumenta o presidente do PT. Questionado como vê a relação do partido com os movimentos, Berzoini, no entanto, não pareceu preocupado. “Ha um conflito natural [entre as partes]. Mas muitos movimentos que criticam a política econômica continuam perto do PT”, resolve a equação.
Por outro lado, tanto o dirigente da CUT e secretário sindical do PT, João Felício, quanto Renato Simões defendem um posicionamento mais claro do partido sobre questões cruciais e bandeiras dos movimentos.
“O PT nunca defendeu as fundações privadas, nem a reforma trabalhista. Às vezes nem o PT aprova as posições do governo”, diz Felício. Para ele, se é verdade que é necessário um governo de coalizão, há que se fazê-lo sobre projetos, não sobre partidos. “[O governo] tem tido idéias muito à direita”, afirma.
Já Simões nega que existam diferentes avaliações entre as correntes do PT acerca da relação com os movimentos. “Foi uma decisão da Executiva Nacional. A expectativa é que se reconheça o papel dos movimentos no PT, e isso tem que ser estendido ao governo. É a coalizão [no governo] que dificulta os encaminhamentos. O PT tem que ter posição sobre temas polêmicos, como a crise aérea, os biocombustíveis, as fundações, a Vale do Rio Doce. O PT tem que deixar claras as suas posições”.
Sobre a avaliação de que os movimentos estariam “assegurados”, Simões reage com cautela. “O governo está queimando suas reservas com os movimento sociais. Na esfera política e econômica tem sido muito conservador. Não tem que assumir todas as posições dos movimentos, mas tem que responder às suas pautas”, avalia.