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Um movimentado e colorido evento no Uhuru Park, ontem, 25, em Nairóbi, marcou o encerramento do VII Fórum Social Mundial. Segundo o Comitê Organizador Africano e o Comitê Internacional, chegou a 60 mil o número de pessoas inscritas oficialmente e foram realizadas 1.200 atividades gestionadas. Em termos de distribuição por país, cerca de 80% de participantes foram do Quênia ou de países vizinhos e cerca de 20% de fora do continente. Um ponto a destacar neste Fórum foi a marcante participação de grupos populares organizados por igrejas. Em relação à participação estrangeira, foram pelo menos 400 italianos(as), 450 franceses(as), 600 norte-americanos(as) e cerca de 400 brasileiros(as).

Durante o evento, cerca de 300 propostas formuladas por 21 Fóruns de Alternativas, Lutas e Ações foram apresentadas ao público. Uma novidade no processo FSM, as propostas devem servir de base para as Jornadas de Mobilização, que serão realizadas em janeiro de 2008 ao redor do mundo, paralelamente ao Fórum Econômico de Davos. A idéia é que a sociedade civil, mais até do que o próprio Comitê Internacional do FSM, aproprie-se dessas propostas e articule-se para torná-las uma realidade.

Francisco Whitaker, secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB, e membro do Comitê de Organização do Fórum Social Mundial, acha que a apresentação das propostas durante esta edição do FSM foi um grande ganho: “nos outros Fóruns, não conseguimos fazer propostas; em 2005, tivemos um grande mural de propostas, mas não conseguimos dar visibilidade a elas. Desta vez, conseguimos dar um passo adiante”, animou-se. Este ano, outra novidade foi existir um dia, o quarto dia, sem atividades no FSM, só para que participantes se dedicassem à formulação dessas propostas.

Na opinião de Whitaker, as propostas formuladas e apresentadas ao público são uma solução melhor do que a produção de um documento final. “Um documento final que tentasse incorporar tudo seria necessariamente tão genérico que não engajaria ninguém. Esta solução é muito mais para frente”, disse.

Água acessível a todas as pessoas, campanhas em nome da paz, da democracia, pela proibição de despejos e defesa das moradias populares, direitos humanos, direitos das mulheres e respeito à diversidade são alguns dos temas tratados no conjunto de propostas que, em breve, estarão disponíveis no site do Fórum Social Mundial (www.forumsocialmundial.org.br).

Avaliação positiva

Durante o encerramento, integrantes dos comitês que organizam o FSM e participantes demonstraram satisfação com os resultados obtidos em Nairóbi. Para o diretor do Ibase, Candido Grzybowski, também integrante do Conselho Internacional e do Grupo Facilitador Brasileiro, fazer o FSM no Quênia, região que ele considera o coração da África, foi um grande desafio e uma alegria.

“Fazer o Fórum aqui, fora da África do Sul e do Senegal, é como reafirmar que outra África é possível. Os africanos devem se orgulhar de si mesmos e de sua cultura, da sua capacidade de organização, de ter voz, de poder falar. Muita coisa eles demonstram nos gestos, nos símbolos, temos também que aprender a valorizar essas outras linguagens, dar espaço à música, à cultura, o que tem muito aqui, estamos aprendendo muito com esses povos”, exclamou.

Taufiq Ben Abdala, Senegal, do Comitê Internacional do FSM e secretário executivo do Comitê Africano, acredita que o ponto mais positivo deste Fórum foi o próprio fato de ter acontecido, de ter se tornado real. “Também destaco a elevada participação de outros países do leste da África, além dos próprios movimentos sociais quenianos. E ainda a presença marcante de países de outros continentes, como a América Latina, a Ásia e a Europa”, anima-se.

Para ele, esse feito vai mudar a história do processo FSM: “Acredito que, com essa edição, a África ganhou um espaço garantido dentro do processo FSM. Quando tivemos a iniciativa de organizar um Fórum na África, tínhamos a expectativa de mudar o processo profundamente e percebo que, com essa edição, conseguimos isso.”

A coordenadora do Ibase, Moema Miranda, acha que este foi o Fórum mais desafiante já organizado – “foi o primeiro em que não tivemos apoio do governo, foi o primeiro Fórum organizado por um continente. Quando aconteceu em Mumbai, em 2004, foi organizado pela Índia. Mas aqui, o Fórum nunca se definiu como algo do Quênia, sempre foi mais da África e articular todo um continente para se vincular ao Fórum é um imenso desafio”, explicou.

Na opinião de Moema, um dos ganhos africanos com a realização do FSM foi o retorno à articulação pan-africana dos movimentos sociais. “Até há pouco tempo, a maioria dos movimentos estava olhando só para suas próprias lutas, isso resultava numa fragmentação nacional, não havia uma agenda transnacional. A idéia do pan-africanismo foi muito forte durante as lutas de libertação e depois dessas guerras essa noção ficou um pouco abandonada, mas foi retomada agora com o FSM. Esse é o principal ganho desse processo”, comemorou.

Télia Negrão, da Rede Feminista de Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, acredita que este FSM está dando uma visibilidade fundamental às causas africanas. “O fato de esse Fórum ter acontecido na África trouxe para nós expectativas importantes. A África tem sido um espaço esquecido no mundo e estarmos aqui, tantos países, tantas pessoas, fez com que pudéssemos trabalhar estratégias e formas pessoais e coletivas de enfrentamento de mazelas que existem no mundo de forma geral, mas em especial na África. Percebo que todos os desafios que encontramos no Quênia, e em particular em Nairóbi, são os desafios do mundo todo, mesmo dos países desenvolvidos onde há o problema da extrema desigualdade”, avaliou.

João Sucupira, diretor do Ibase, falou sobre a importância de se incluir a África mais fortemente no processo FSM: “há todo um sentido de incluir países africanos no processo Fórum. Aqui em Nairóbi, pude ter contato com muitas pessoas de Angola, Moçambique, Uganda, o que não aconteceu nos outros Fóruns. Só isso já bastaria para considerar esta edição um sucesso porque um Fórum Social Mundial sem África não dá“, enfatizou.

Para Sucupira, estar no Quênia é ter a oportunidade de lidar e buscar soluções para questões históricas dentro do processo FSM. “Estar aqui é lidar com esses problemas na sua forma mais profunda, isso é fantástico. Pessoalmente, tive experiências incríveis que vão gerar para o Ibase bons frutos“, concluiu.

Apoio local para pesquisa global

A pesquisa sobre o perfil de participantes do Fórum Social Mundial – realizada em Porto Alegre em 2003 e em 2005; na Índia em 2004; e em Bamaco e Caracas em 2006 – também está sendo produzida no VII FSM em Nairóbi.

O levantamento, que vem sendo realizado pelo Ibase, a pedido do Grupo Facilitador Brasileiro do FSM, com patrocínio da Petrobras, contou com a colaboração de 56 universitários(as) quenianos(as), 53 eram entrevistadores(as) e três supervisores. Foram entrevistadas 672 pessoas do Quênia, 731 africanos(as) de outros países, 740 de países de outros continentes, além de 317 jovens que responderam perguntas diferenciadas. Ao todo, 2.460 pessoas foram ouvidas.

O coordenador do Ibase, Leonardo Méllo, responsável pela pesquisa, avaliou positivamente o trabalho realizado no Quênia. “Terminamos as entrevistas no terceiro dia do FSM, a proposta inicial era entrevistar 700 quenianos(as), 700 africanos(as) de outros países, 700 pessoas de países de outros continentes e 300 jovens, pelos números obtidos, dá para perceber que batemos bem a nossa meta“, alegra-se.

Leonardo explicou que o processo de leitura de dados para se obter o que chamou de os grandes números do Fórum é complexo e demorará alguns meses para ficar pronto. Mas com a finalização das entrevistas, é possível avaliar o processo de levantamento desses dados: “os entrevistadores consideraram o questionário muito longo, mas afirmaram ter adorado fazer o trabalho. Foi uma forma de eles se engajarem realmente no processo FSM, o que não teria acontecido naturalmente. A partir desse trabalho, eles tiveram a oportunidade de conversar com pessoas de várias partes do mundo, foi uma contribuição queniana importante para a memória do processo FSM”, exclamou.

Na opinião de Leonardo, nesta edição, o Acampamento Intercontinental da Juventude não funcionou como um espaço de aglutinação de jovens, como em Fóruns anteriores. “Teve bastante jovem, mas eles não ficaram concentrados no acampamento”. Outro ponto relevante é que a participação da população local em Nairóbi foi menor já que havia uma taxa para entrar no estádio Casarani que a maior parte não podia pagar. “Mas o fato de todas as atividades terem acontecido em um mesmo espaço foi muito proveitoso para a realização do levantamento”, concluiu.

Conheça os resultados das pesquisas anteriores no site do Ibase.