Fonte: Jonas Valente – Carta Maior

Dados do TSE mostram que houve um aumento de 49,3% nos títulos de adolescentes com 16 e 17 anos, o que representou um acréscimo de mais de 17 milhões de eleitores. Pesquisa da Unesco indica que 69% dos jovens de 15 a 29 anos acredita que voto pode mudar situação do país.

BRASÍLIA – Há alguns dias, a MTV (Music Television) Brasil, emissora majoritariamente voltada para o público juvenil, passou a transmitir spot com agressivas críticas às eleições e aos políticos e convocando seus telespectadores a prepararem ‘os ovos e tomates’. O diretor de programação da tv afirmou em entrevistas que o intuito era instigar os jovens e deixá-los indignados com a situação atual da política aproveitando o momento eleitoral. Para além da polêmica sobre a confusão entre crítica a políticos e crítica do sistema democrático representativo (Ver artigo: Em defesa da política e da democracia), a iniciativa da MTV tem como pano de fundo a busca por uma indignação contra a política, materializada na opção do voto nulo, que estaria de alguma forma, histórica ou conjunturalmente, ligada à juventude.

A aposta da MTV nesta postura de indiferença acaba encontrando cenário muito mais complexo do que a simplificação de caracterizar a juventude desta geração como “alienada”. Os sinais, que apontam para diferentes rumos, são elementos de uma equação delicada. Recente dado divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral revelou que houve aumento de 49,3% nos títulos de adolescentes com 16 e 17 anos, o que representou um acréscimo absoluto de mais 17 milhões de eleitores nesta faixa etária para este pleito.

Segundo Patrícia Lânes, do Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas (Ibase), este dado é confirmado por recentes pesquisas, como a publicada pela Unesco e pela OEI – Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura, por exemplo. Cerca de 69% dos jovens de 15 a 29 anos entrevistados pelo estudo disseram acreditar que o voto pode mudar a situação do país e 66,6% afirmaram não ser aceitável não votar nas eleições. Uma informação que pode reforçar esta perspectiva é o fato da faixa etária entre 16 e 24 anos ter o menor índice de voto nulo e não saber em quem votar se a eleição fosse hoje. Se tomada a pesquisa do Instituto Datafolha, estes índices ficam em 5%, contra 9% no grupo de pessoas entre 35 e 44 anos.

No entanto, este sentimento contrasta com um profundo descrédito com a classe política, apesar de se manter um nível elevado mas disperso de participação. Ou seja, o mito da alienação do segmento juvenil no início do século XXI se desfaz ao constatar que os jovens em geral se organizam em atividades coletivas mas têm trocado as formas tradicionais por uma variedade de novas iniciativas. Pesquisa realizada pelo Ibase e pelo Instituto Polis constatou que 28,1% dos jovens entrevistados participam de alguma forma de uma atividade em grupos. Diferente do tradicional movimento estudantil, hoje as principais atividades organizativas se dão em ambientes e organizações ligadas à religião (42,5%), ao esporte (32,5%) e à arte e cultura (26,9%).

Já a militância em partidos políticos e nas vias ditas tradicionais cai e ganha descrédito. “Os rapazes e as moças participantes da pesquisa não rejeitam a política de maneira definitiva. Porém, emitem mensagens que evidenciam profunda desconfiança nos operadores políticos tradicionais – ‘os políticos’ em sua acepção mais ampla. Ao mesmo tempo em que há pouca confiança naquilo que se assemelha à política tradicional, é possível perceber a emergência outras esferas participativas que, pode-se dizer, ainda necessitam ser mais bem compreendidas pelas investigações sociais”, analisa Paulo Carrano, que participou do estudo.

De acordo com Patrícia Lânes, a pesquisa do Ibase mostrou que parte desta descrença se dá pelo fato dos jovens verem dificuldades na ocupação dos espaços institucionais. “O levantamento também apontou que eles não se vêem, obrigatoriamente, participando diretamente de espaços institucionalizados, como partidos, sindicatos etc. Eles não se sentem aptos a participar de determinados espaços de participação, ao mesmo tempo em que não enxergam esses espaços como lugares preparados para receber jovens que fogem a um modelo específico”, explica a pesquisadora Patrícia Lânes, do Ibase. “Há parcela querendo participar mas algumas vezes cai numa realidade da desilusão com a política ou na dificuldade de acessar os partidos”, diz Rafael Pops, secretário nacional de juventude do PT. Ele cita pesquisa produzida pela ONG Ação Educativa com jovens da periferia de São Paulo, cujos entrevistados afirmaram ver nos partido políticos e em lutas ‘mais gerais’ o caminho para mudar a realidade, embora vejam dificuldade em chegar até estes espaços.

Para Lamartine Silva, do Movimento Hip-Hop Organizado do Brasil (MHHOB), a crise política que ocupou a pauta durante o segundo semestre de 2005 foi importante elemento para aprofundar o descrédito do jovem sobre esta forma de política. “O processo de crise aguçou mais ainda a falta de interesse da juventude pela política”, afirma. Na avaliação de Márcio Rosa, da juventude do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o problema desta geração tem origem também nos processo vivenciados ao longo dos últimos anos. “Houve uma série de eventos na política que geraram descrédito, como o impeachment de Fernando Collor. Ao mesmo tempo este episódio colocou a juventude na rua mas gerou questionamentos sobre a classe política e a validade da democracia e das instituições”, declara.

Enquanto grande parte demonstra descrédito com a política tradicional, setores da juventude organizada se mobilizam para além da simples escolha de alternativas de representação no Executivo e Legislativo. “Hoje a gente não está mais preocupado em escolher nomes, mas discutir o que representa a juventude participar de um mandato”, diz Lamartine Silva. Para ele, o desafio de parte da juventude é aprofundar este modelo de democracia para além do momento eleitoral, estabelecendo mecanismos pelos quais os segmentos que apóiam um determinado candidato possam acompanhar e influir no mandato deste eleito durante todos os quatro anos de duração.

Perfil

De 1940 ao ano 2000 o número de jovens de 15 a 24 anos pulou de 8,2 milhões para 34 milhões, correspondendo hoje a 20% da população total, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se considerada a faixa de 15 a 29 anos (adotada em vários países e nas discussões do plano nacional) são 48 milhões de jovens, 28% da população brasileira. A preocupação não está só na representatividade numérica, mas nas condições desta população. Segundo o censo do IBGE de 2000, 40% dos jovens brasileiros vivem em famílias sem rendimento ou com até meio salário mínimo. Essa parcela compõe nada menos que 50% dos desempregados no país. Na área da educação, 8 milhões de adolescentes têm baixa escolaridade (com cinco anos de atraso na relação série/idade) e 3,3 milhões não freqüentam.