Por SCDC/Minc (http://iberculturaviva.org)

Em Hortolândia, na região de Campinas (SP), um empreendimento solidário há 10 anos vem abrindo caminhos: a Grife Criolê, criada por Isabel Cristina Alves, a Mãe Isabel. A marca de roupas, que começou com o nome de Capadócia (em homenagem a São Jorge), é uma das ações do Ponto de Cultura Caminhos, ao lado do grupo de dança afro Oju Oba, do bloco de afoxé Oya Obirin Ode, e de vivências e oficinas que exploram a diversidade cultural das comunidades de terreiros.

Nascida no Rio de Janeiro, há 34 anos morando no estado de São Paulo, Isabel sempre teve afeição pelo trabalho alternativo. “Os moldes do trabalho capitalista nunca me fascinaram”, afirma a artesã, técnica em estilismo e modelagem, que em 2003 descobriu a economia solidária e com ela realizou o sonho de fazer moda de maneira criativa, expressiva, valorizando a cultura de matriz africana.

“Em 2003, a administração petista de Hortolândia estava incentivando a constituição de cooperativas. Como eu fazia parte da associação dos artesãos, fui convidada a participar da diretoria e aí começamos um trabalho de política pública, por parte da sociedade civil, pela economia solidaria”, conta.

Fascinada pela estratégia de desenvolvimento e geração de renda, ela levou a proposta para o terreiro onde seu grupo já vinha trabalhando questões como autoestima e resgate da cultura do negro. “Até então eu tinha minha produção individual”, diz. “Na ONG a gente lidava muito com adolescentes, e atrás deles vinham as mães, as famílias, e a necessidade de fazer uma assistência. E a gente entendeu que fomentar o trabalho da geração de renda era uma assistência mais pragmática.”

Assim, foram criadas duas unidades de negócios. Uma delas, coordenada por Mãe Eleonora (Eleonora Aparecida Alves, presidente do Ponto de Cultura Caminhos), é o grupo de alimentação, que trabalha com comida baiana e tem o acarajé como carro-chefe. A outra é a Criolê, coordenada por Mãe Isabel. “A grife foi criada por mim, mas com base no trabalho coletivo instrumentalizado pelas formações, pelos conceitos da economia solidária”, ressalta.

Da associação de artesãos de Hortolândia, Isabel passou a integrante da comissão de economia solidária do município, depois da região de Campinas, depois do estado de São Paulo. Em 2005, ingressou no Fórum Paulista de Economia Solidária, onde faz parte da coordenação executiva até hoje. Dali seguiu para o Fórum Nacional, sendo por duas vezes membro do Conselho Nacional de Economia Solidária. Saiu do conselho porque a última eleição coincidiu com uma tragédia pessoal — em 2014, ela teve um filho morto (em circunstâncias ainda sob investigação). Ainda assim, faz parte da rede nacional de formadores de economia solidária e tem um trabalho ativo na área.

Valores

A Criolê busca valorizar a cultura de matriz africana

A casa presidida por Mãe Eleonora se transformou em Ponto de Cultura em 2010, mas as atividades da grife já vinham sendo ali desenvolvidas com base no trabalho das bordadeiras, dos artesãos, das comunidades tradicionais. Hoje, a produção da Criolê é vendida em feiras, eventos e encontros e pela página do Facebook da grife (fb.com/griffe.criole).

Apostando em cores, imagens, temáticas e símbolos afros, a grife tem como proposta valorizar a cultura de matriz africana, elevar o nível de conhecimento e da autoestima da população afrodescendente, despertar o senso crítico e a importância dos valores sociais, além de estimular e fomentar a capacitação dos jovens de vulnerabilidade econômica.

“É preciso qualificar, pensar em desenvolvimento de produtos, pensar no acesso ao mercado, porque o que aí está é o mercado selvagem, capitalista. Nós produzimos de outra forma e precisamos criar esse mercado”, destaca Isabel. Ela também critica a falta de sensibilidade, por parte do Estado, para a realidade do artesão, o que muitas vezes inviabiliza a formação de profissionais qualificados.

“O mercado de vestuário hoje oferece 7 mil reais para uma costureira piloteira (responsável pela primeira peça, a peça-piloto), por exemplo. Mas é uma profissional que não se consegue encontrar porque a qualificação geralmente é cara e exige formação em ensino médio”, explica. “Nós temos o viés de qualificar uma piloteira mesmo que ela tenha apenas o ensino fundamental. Provocamos essas mulheres – geralmente são mulheres acima de 40 anos, arrimo de família, criando filhos e netos –, induzimos elas a voltar à escola, mas não deixamos de qualificar. Este é um trabalho que fazemos a duras penas.”

Empoderamento

Isabel acredita na cultura como instrumento de empoderamento, como algo que pode interferir sim na vulnerabilidade social, no combate ao preconceito. “Hoje estamos vivendo uma onda de ódio explícito. O genocídio está explícito, mas sempre existiu. Nós, negros, sempre convivemos com isso. A injustiça social sempre existiu”, afirma. “Quando a cultura consegue empoderar seus atores e garantir uma ação social, é uma interferência muito positiva. Eu acredito muito no empoderamento.”

Em 2014, ela participou de um projeto de formação e qualificação para mulheres presidiárias. Levou a 12 penitenciárias do estado de São Paulo o conhecimento que adquiriu nesses anos de trabalho com economia solidária. “Minha grande satisfação foi saber que posso ter esperança nessas mulheres, ainda que estejam presas e com penas grandes”, comenta. “Elas me perguntavam: ‘Mas eu posso ser uma empreendedora?’ Hoje, me comunico com algumas que já saíram. Elas dizem: ‘Olha, vou montar um petshop, a senhora não poderia me ajudar?”

Isabel sabe que é assim, com ações “pequenininhas”, que a economia solidária demonstra seu grande papel. “Ela ainda não dá conta, tem gargalos. Mas é transformadora. A economia solidária nos oferece um novo caminho.”

Assista ao vídeo do desfile da Criolê

Saiba mais:

www.pontodeculturacaminhos.blogspot.com

www.flordodende.blogspot.com