Fonte: IHU
“Os movimentos sociais organizados avaliaram que o tema mais forte que saiu das mobilizações de junho e julho foi a Reforma Política. Como o Congresso não quis o plebiscito nem a assembleia constituinte exclusiva, movimentos sociais e outras entidades da sociedade civil se reuniram no início de agosto e se puseram de acordo para levar para as ruas um plebiscito popular, nos moldes daqueles que já ocorreram sobre a dívida externa, sobre a ALCA, sobre a Vale”, esclarece o sociólogo.
“Não há contradição entre as duas propostas de Reforma Política, a da iniciativa popular e a do plebiscito popular, porque ambas têm como objetivo uma reforma radical do sistema político, na direção da criação de condições para uma verdadeira democracia”, avalia Ivo Lesbaupin, em entrevista concedida à IHU On-Line. Apesar de a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político insistir no debate acerca da reforma há mais de dez anos, foi somente a partir das manifestações de junho que “sentiu-se necessidade de organizar um consenso em torno de uma proposta comum”, contextualiza o sociólogo
Na entrevista a seguir, Lesbaupin explica as duas propostas de Reforma Política, e enfatiza que a “iniciativa popular pretende começar a influenciar desde já o Congresso, para tentar fazer valer as mudanças já para a próxima eleição, ou, se não for votada até outubro, para servir de pressão sobre os parlamentares”. Enquanto isso, frisa, a proposta de um plebiscito popular “considera que uma reforma com o alcance pretendido só poderia ser realizada através de uma assembleia constituinte exclusiva, não por este Congresso”.
Ivo Lesbaupin é professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Graduado em Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, é mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, da França. É autor e organizador de diversos livros, entre os quais Igreja: comunidade e massa (São Paulo: Paulinas, 1996); e O desmonte da nação: balanço do governo FHC (Petrópolis: Vozes, 1999).
Foto: http://bit.ly/17Xuu9o
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Nos últimos dias foi lançada em Brasília a “Campanha de Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política” pela “Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas”. Qual é a origem dessa iniciativa e o que propõe? Por que é preciso uma Reforma Política?
Ivo Lesbaupin – No sistema político atual, executivo e legislativo podem se entender, aprovar projetos, implementar políticas sem levar em conta o que os movimentos sociais pensam ou o que a maioria dos cidadãos reivindicam.
Há cerca de dez anos constituiu-se uma articulação de movimentos sociais e entidades da sociedade civil, que passou a se chamar “Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político”. O ponto de partida desta articulação era a constatação de que nossa democracia é seriamente limitada, porque não consegue garantir o essencial, que é a soberania popular. Em outras palavras, há elementos formais da democracia, como eleições regulares, imprensa livre, direito à liberdade de opinião, mas o poder não está nas mãos dos cidadãos e cidadãs, o poder é apropriado pelos representantes eleitos (parlamentares e governos), com muito pouca possibilidade de interferência da maioria da sociedade além do voto. Mesmo depois da introdução dos conselhos setoriais e das conferências de políticas públicas, há muita participação, mas, sem poder de decisão, o governo faz o que bem entende com as indicações que são aprovadas nestas conferências.
A Plataforma concluiu que, para efetivar a soberania popular, seria preciso muito mais do que uma simples reforma eleitoral, seria preciso reformar o sistema político. Em cinco eixos: a democracia direta, a democracia representativa, a democracia participativa, a democratização dos meios de comunicação, a democratização do poder judiciário. Depois de alguns anos pressionando o parlamento para realizar esta reforma, a Plataforma decidiu dar um passo além: em 2011 elaborou um projeto de lei de iniciativa popular que englobava dois daqueles temas, a democracia direta e a representativa, e passou a fazer campanha de assinaturas. Em 2013, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, juntamente com a OAB, elaborou outro projeto de lei de iniciativa popular, centrado na democracia representativa.
IHU On-Line – Por outro lado, há uma iniciativa de várias organizações populares sugerindo um “Plebiscito Popular” sobre a Reforma Política. Quem está articulando, como começou, o que propõe e quais serão os próximos passos?
Ivo Lesbaupin – A partir das mobilizações de junho e das manifestações dos movimentos sociais organizados em julho e com o destaque que a reforma política assumiu, sentiu-se necessidade de organizar um consenso em torno de uma proposta comum. A partir de sugestão da CNBB, reuniram-se várias articulações e entidades: a Plataforma, a Frente Parlamentar pela Reforma Política, o MCCE, a OAB, o MST, a CUT, a Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ, a UNE, a CONTAG, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãos – CONIC, a Associação dos Magistrados do Brasil, a Cáritas e a Comissão Brasileira de Justiça e Paz – CBJP. Formou-se a “Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas” e construiu-se um projeto de lei de iniciativa popular de consenso, tratando de dois eixos: a democracia direta e a democracia representativa.
Um dos itens fundamentais é o fim do financiamento empresarial privado para campanhas eleitorais e partidos. Muitos consideram este um dos principais fatores da corrupção existente no país. Bancos, empreiteiras, empresas em geral, entram com muitos recursos para financiar as campanhas dos candidatos. O resultado é que boa parte das ações dos governos e dos parlamentares é feita não para atender aos interesses de seus eleitores, mas os de seus financiadores.
Isto é muito fácil de verificar: se levantamos os principais financiadores das eleições de 2010 e examinamos certas políticas e a maioria das obras públicas desenvolvidas pelos governos, vemos que estas grandes empreiteiras e o setor do capital financeiro são os grandes beneficiários. Para dar apenas dois exemplos, a Odebrecht doou um milhão para a campanha presidencial. No decorrer de apenas um ano, recebeu 24 milhões para a realização de obras públicas; a empresa Carioca Engenharia doou 600 mil, e teve obras orçadas em 176 milhões. E os lucros dos bancos aumentam a cada ano (mesmo considerando o período em que houve ligeira queda nos juros), conforme informa regularmente a imprensa.
Propostas
O projeto propõe o financiamento público, de um lado, e a possibilidade de financiamento individual, com um teto de 700 reais por pessoa (em torno de um salário-mínimo), cercado de exigências. O financiamento por parte de pessoa jurídica (empresas) fica terminantemente proibido. Além de reduzir radicalmente o peso do poder econômico nas eleições, a proposta reduzirá também o montante atualmente gasto nas campanhas que, além de ser exorbitante, só dá chances a candidatos ricos (ou apoiados por ricos).
Outro elemento importante do projeto de lei é a regulamentação do uso de instrumentos de democracia direta. Estes instrumentos estão na Constituição de 1988, mas a possibilidade de seu uso é bastante restritiva. Agora a proposta estabelece que determinados temas tenham necessariamente de ser decididos pela população: por exemplo, a criação ou desmembramento de estados; a possibilidade de privatização de serviços públicos, de empresas estatais, ou de bens públicos; a alienação, pela União Federal, de jazidas, em lavra ou não, de minerais e dos potenciais de energia hidráulica. Isto quer dizer que, nestas matérias, nem o executivo nem o legislativo podem decidir, só o povo, diretamente (plebiscito).
A eleição de parlamentares será feita em dois turnos: os eleitores votarão primeiramente num partido e, no segundo turno, no candidato daquele partido. Em outras palavras, primeiro se escolhe o programa e, em seguida, o candidato que o eleitor considera melhor para levar à frente aquele programa.
Os movimentos sociais organizados avaliaram que o tema mais forte que saiu das mobilizações de junho e julho foi a Reforma Política. Como o Congresso não quis o plebiscito nem a assembleia constituinte exclusiva – propostas inicialmente pelo governo –, movimentos sociais e outras entidades da sociedade civil se reuniram no início de agosto e se puseram de acordo para levar para as ruas um plebiscito popular, nos moldes daqueles que já ocorreram sobre a dívida externa, sobre a ALCA, sobre a Vale. A pergunta única seria se a pessoa concorda com a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva para fazer a reforma do sistema político. O plebiscito seria feito daqui a um ano, precedido de amplo debate nas bases sobre o que deve ser reformado, quais as mudanças mais importantes etc. São dezenas de movimentos e entidades da sociedade civil que aprovaram esta proposta: movimento negro, MST, UNE, MAB, pastorais sociais da Igreja Católica, da rede evangélica Fale, ao lado de CUT, Marcha Mundial de Mulheres, Levante Popular da Juventude, entre outras organizações e movimentos.
IHU On-Line – Não há contradição entre as duas iniciativas?
Ivo Lesbaupin – Diria que não há contradição entre as duas propostas, a da iniciativa popular e a do plebiscito popular, porque ambas têm como objetivo uma reforma radical do sistema político, na direção da criação de condições para uma verdadeira democracia. A iniciativa popular pretende começar a influenciar desde já o Congresso, para tentar fazer valer as mudanças já para a próxima eleição, ou, se não for votada até outubro, para servir de pressão sobre os parlamentares. A do plebiscito popular considera que uma reforma com o alcance pretendido só poderia ser realizada através de uma assembleia constituinte exclusiva, não por este Congresso. De qualquer modo, para realizar o plebiscito popular, será necessário realizar um processo amplo de debates nas bases dos movimentos sociais, das pastorais sociais, das entidades da sociedade civil – o que certamente será útil para todos