Por Manoel da Conceição
“Quero falar em nome também de muitos dos meus companheiros e de minhas companheiras que o Estado Brasileiro sob o Regime da Ditadura Militar e seus agentes decidiram, deliberada e sistematicamente, calar suas vozes e exterminar suas vidas”.
Senhor Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, Dep. Domingos Dutra; Senhora Coordenadora da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, Deputada Luiza Erondina; Secretaria Nacional dos Direitos Humanos da Presidência da República; Senhores e Senhoras integrantes da Comissão da Verdade Demais Senhores e Senhoras componentes deste Legislativo Federal; Organizações da Sociedade Civil, lideranças e militantes da Classe Trabalhadora do Brasil e do Mundo,
Quero antecipadamente agradecer com muito amor e muito carinho a atenção de todos e todas Vocês. Eu sou Manoel Conceição Santos, Negro, Lavrador, não escolarizado, brasileiro e natural do estado do Maranhão, nascido no povoado Pedra Grande, município de Pirapemas, e, agora em 24 de julho de 2012 completarei 78 anos.
Quero antecipadamente agradecer com muito amor e muito carinho a atenção de todos e todas Vocês. Naturalmente, cada um de nós tem uma história; história real que prosseguimos escrevendo nas páginas do livro da nossa vida enquanto conseguimos ir sobrevivendo. Mas além desta história real, que é praticamente impossível de ser descrita em sua totalidade, existem as histórias formalizadas e informais, que são as formas que pessoas e instituições nos vêem ou tentam nos qualificar.
Primeiramente, eu gostaria de esclarecer que, em muitos aspectos, minha história é praticamente impossível de ser compreendida como uma história individual, pois a mesma guarda diversos pontos comuns com a história de muitos de meus companheiros e de minhas companheiras, que assim como eu, colocaram suas vidas a serviço de causas coletivas de uma classe, a classe trabalhadora, da qual somos parte. Assim, minha história é individual e ao mesmo tempo coletiva. Certamente mais coletiva que individual.
Nesta oportunidade que a Câmara dos Deputados concede a minha pessoa, através da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, quero falar em nome também de muitos dos meus companheiros e de minhas companheiras que o Estado Brasileiro sob o Regime da Ditadura Militar e seus agentes decidiram, deliberada e sistematicamente, calar suas vozes e exterminar suas vidas. Dos que foram mortos e desaparecidos por ordem do Estado sob governo militar quero fazer menção, pelo menos a alguns que tive a felicidade e a honra de ter convivido: Rui Frazão, um grande, decente e solidário companheiro educador da AP (Ação Popular), dado como desaparecido; o companheiro Jair Ferreira de Sá, o Paulo Stwit Wright e José da Mata Machado, o Fernando Santa Cruz, que eram os principais dirigentes da Ação Popular-AP. Estes eram considerados os mais perigosos pelo regime militar. Das lideranças do campo, quero destacar Joaquim Matias Neto (Joaquim Lavanca), agricultor, liderança camponesa que foi preso e brutalmente torturado, morrendo prematuramente em consequência das torturas sofrida; também o companheiro José Lavanca, do mesmo modo preso e torturado, vindo a óbito em consequência das torturas. Esse companheiro era o esposo da companheira Lurdes que ainda está viva, morando no município de Barra do Corda no Maranhão. Além desses mortos e/ou desaparecidos, quero destacar alguns companheiros e companheiras que foram honrados, firmes, leais e muito importantes para organização das lutas camponesas no Maranhão. Destaco o nome do companheiro Antonio Lisboa Brito agricultor e ferreiro que foi meu companheiro de diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pindaré Mirim. Foi muito perseguido pela ditadura, tendo que abandonar a família com esposa e filhos pequenos (crianças), vivendo o tempo todo escondido até o final do governo militar. Teve portanto, sua vida totalmente destroçada pelo ditadura militar. Também o companheiro Jodinha da nossa diretoria sindical, que da mesma forma que o Antonio Lisboa foi perseguido e teve que sobreviver na clandestinidade. Estes dois companheiros ainda estão vivos. Jodinha mora atualmente no estado do Pará e o Antonio Lisboa mora em Teresina no Piauí.
Quero primeiramente deixar claro, que em comparação a muitos companheiros e muitas companheiras, dentre os quais, os que citei, me considero muito sortudo, pois apesar das muitas perseguições, privações, difamações, torturas e mutilações a mim impostas pelo Estado Brasileiro sob regime militar e seus agentes e aliados, escapei com vida e tenho podido até o momento continuar fazendo o que meus companheiros e minhas companheiras foram impedidos e impedidas de fazer, pois foram mortos e desaparecidos por ordem e ação do governo militar. E o que tenho feito e que queriam fazer meus companheiros e minhas companheiras que foram eliminados e eliminadas pelo Estado Brasileiro sob o regime militar? Lutávamos, e eu continuo lutando, por justiça social, por um efetivo direito à uma vida digna para quem trabalha e/ou quer trabalhar, por direito de se expressar, se organizar em sindicato, associação, cooperativa, partido político e outras formas de organizações sociais. Enfim, lutamos por efetiva democracia na política, no conhecimento, na saúde de boa qualidade, na ciência, na tecnologia, na terra, na cultura, na economia, na comunicação. Infelizmente em nosso país de economia capitalista ainda em estágio selvagem, onde em muitos estados federados ainda impera o poder de oligarquias e a lei da pistolagem, como é o caso do Maranhão, lutar por justiça e direitos sociais, mesmos os direitos mais elementares e essenciais, é missão extremamente perigosa e custosa, o custo quase sempre é cobrado em sangue e em vidas dos que ousam desafiar a dominação do capital e seus asseclas.
Eu tenho ousado desafiar esse poder, mas tenho sido severamente punido com perseguições, ameaças, prisões, difamações, torturas físicas e psicológicas, e por fim, fui expulso do meu país e obrigado a viver exilado como estrangeiro em outro país. Dessa forma, o relato que trago hoje aqui nesta casa legislativa não é novo, já o fiz com a mesma responsabilidade em diversos outros momentos em que tive oportunidade. Entretanto, devo ressaltar que a grande novidade é o lugar em que este relato está agora sendo feito. Creio está falando diretamente em um dos ouvidos desse ente gigante que chamamos de Estado. Espero que deste modo possa finalmente ser escutado e levado a sério.
Bem, ainda em 1957 eu tive o contato direto com a fúria dos latifundiários/grileiros contra camponeses pobres do estado do Maranhão. Após ter sido expulso com minha família, das terras herdadas de meus avós, do povoado Pirapemas, município de Coroatá, fomos tentar morar em outra localidade chamada Santa Luzia, que pertencia ao município de Bacabal. Lá as terras eram consideradas devolutas e já havia outras famílias agricultoras ali residindo há mais de duas décadas. Na verdade lá também não estávamos livres da perseguição e violência dos latifundiários/grileiros. As ameaças e ordens para desocuparmos a terra eram cada vez maiores. Certo dia estávamos reunidos no povoado Copaíba dos Mesquitas para discutir as ameaças sofridas pela comunidade, quando fomos surpreendidos por um grupo de jagunços sob comando do latifundiário/grileiro de nome Manacé Alves de Castro, que era filho de Raimundo Alves de Castro o delegado de polícia do município. Naquele dia vivi uma das experiências mais marcantes e traumáticas de minha vida. Vi ali o quão cruel era o poder dos latifundiários, presenciei a morte a sangue frio de cinco camponeses, dentre os quais uma velhinha e uma criança de no máximo três anos de idade. Eu escapei por pouco ferido na perna esquerda. Foi exatamente nesse dia que fiz um juramento prá Deus, sob testemunho daquela comunidade, que enquanto vida tivesse me dedicaria à luta em prol do direito à terra para nós camponeses. Já relatei com mais detalhes este episódio em outros documentos.
Após sofrer esta violência voltei para Pirapemas disposto a lutar por nossa terra que havia sido tomada pela latifundiária de nome Margarida Soares, que era mais conhecida na localidade como Dona Guida. Lá, juntamente com umas 180 famílias, fundamos uma associação para lutar pela terra e organizar a produção. Fomos denunciados como saqueadores e subversivos pela dita latifundiária. Intimado a depor, nosso presidente da associação, o companheiro Antonio Vicente foi a São Luis. Prestou depoimento na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Maranhão e voltou com a incumbência de reunir todos os associados para receberem em assembléia a visita do Secretário Estadual de Segurança. No dia marcado as comunidades se reuniram na sede da associação para esperar o Secretário de Estado. Alguns dos dirigentes foram até a estação do trem para aguardá-lo. Ao constatar que o mesmo não havia vindo no trem, retornaram para a sede da associação para informar aos demais que ali se encontravam. Estávamos ainda discutindo o não comparecimento do secretário de segurança quando avistamos na estrada um batalhão da polícia militar, 28 soldados, um cabo e um tenente. Chegaram à porta da sede da associação e perguntaram: “quem é o presidente desta merda? Respondemos, não temos presidente! Todo mundo muito assustado. Aí eles disseram: há, não tem presidente, então todo mundo é presidente! Começaram a atirar da parte de cima da parede e foram baixando, quando as balas atingiram o piso da casa já haviam matado sete pessoas da comunidade, todas pessoas jovens. Mais uma vez escapei e testemunhei a nova chacina contra camponeses que lutavam pelo direito de ter um pedaço de terra para morar, trabalhar e viver comunitariamente. Minha revolta só aumentava frente a tamanha brutalidade contra nós camponeses, agora praticada pelo próprio estado. Além dos mortos outros ficaram gravemente feridos, a exemplo do companheiro José Bonifácio que teve um braço decepado por um balaço.
Depois de presenciar esses dois horrendos episódios de violência extrema contra nós camponeses do Maranhão eu estava acometido de uma tremenda revolta. Foi quando fui convidado pelo pessoal do MEB (Movimento de Educação de Base) para participar de um curso sobre sindicalismo rural. Foi neste curso que comecei a entender o significado da violência praticada contra nós camponeses como o produto de uma sociedade cindida entre duas classes antagônicas: a classe que trabalha (trabalhadora) e a classe que explora o trabalho (capitalista patronal). Descobri que não se tratava de luta apenas dos trabalhadores camponeses, mais dos trabalhadores em geral, do campo e da cidade. Foi aí que passei a compreender a existência de uma luta sistemática de classes, independentemente se temos ou não consciência da sua existência. Fui adquirindo e assumindo minha identidade de trabalhador camponês e minha revolta foi se transformando em consciência de classe. Daí passei a ter uma atuação mais direcionada e comecei a me dedicar na construção de instrumentos de organização da classe trabalhadora, na perspectiva de nos empoderarmos contra as várias formas de repressão e dominação impostas a nós pela classe capitalista.
Foi a partir dessa nova visão que progressivamente fui adquirindo, que passei a ter uma atuação mais qualificada do ponto de vista da consciência de classe, e me integrando em várias frentes de trabalho e ação social. Fomos organizando associações nas comunidades e também desenvolvendo um trabalho de combate ao analfabetismo que era extremo no meio rural. Como resultado desse processo de animação, formação e organização comunitária fundamos, em agosto de 1963, o primeiro Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Maranhão, no município de Pindaré Mirim. A partir de então passamos a fazer uma luta mais unificada pelo direito à terra e em defesa das roças e produções agrícolas dos camponeses, as quais eram constantemente invadidas e destruída pelo gado dos fazendeiros. Começamos a cobrar indenização pelos prejuízos e que o gado fosse criado preso nas propriedades dos fazendeiros. Estas lutas foram consideradas uma afronta aos latifundiários, que passaram a ameaçar o sindicato e seus dirigentes.
O clima social e político no campo maranhense permaneceu muito pesado nos anos que se seguiram à fundação do sindicato. Em âmbito nacional ocorreu logo no início de 1964 o Golpe Militar. Nesse período os movimentos e organizações sociais da classe trabalhadora estavam com bom nível de organização, boa capacidade de mobilização e ação articulada. As lutas camponesas que acontecia no Estado do Maranhão, principalmente em prol da reforma agrária, já se integravam às demais lutas que vinham se fortalecendo em todo o Brasil. Mesmo já sob o governo da ditadura militar, continuamos nossas lutas no Maranhão. Em 1965 um Jovem aguerrido de nome José Sarney, se lança candidato ao governo do Estado do Maranhão, tendo como principal bandeira de sua campanha a realização da reforma agrária, caso fosse eleito. E mais, prometia que sob seu governo os fazendeiros teriam que criar o gado preso em cercado e ainda seriam obrigados a indenizar os prejuízos causados aos camponeses que tiveram suas roças invadidas. Nós camponeses ficamos maravilhados com a coragem e determinação apresentado pelo entusiasta candidato. Cairmos com tudo em sua campanha. Resultado, o homem foi eleito com uma votação estrondosa.
Prá encurtar este breve relato, em 13 de julho de 1968, nós estávamos reunidos no nosso sindicato com uma multidão de homens e mulheres que vieram receber atendimento à saúde por meio de um médico (Dr. João Bosco) que o sindicato havia contratado. Nesse dia fomos atacados por um grupo de policiais que chegaram atirando e aterrorizando as pessoas que ali se encontravam. Eu recebi um balaço em minha perna direita e fui aprisionado pela polícia. Fiquei jogado durante 6 dias na cadeia do município, sem qualquer tratamento no ferimento sofrido. Quando finalmente recebi um tratamento, após ser encaminhado para a Capital São Luis, minha perna já estava gangrenada e teve que ser amputada. Foi assim que fui mutilado por uma ação direta das forças repressiva do estado do Maranhão, que era governado por José Sarney, que já havia aderido ao regime militar.
Mas continuamos fazendo a luta por liberdade de expressão e por reforma agrária e vida digna para nós camponeses, agora já integrando um movimento maior em âmbito de Brasil, de resistência à ditadura militar. A perseguição às nossas organizações e lideranças era cada vez maior. Em 2 de janeiro de 1972 eu fui preso pela terceira vez pelo regime militar. Eu me encontrava em um povoado chamado São José do Tufí, região do Pindaré, hoje é o município de Tufilândia. Fui levado para o DEOPS de São Luis. Lá fiquei preso por volta de um mês até que fui seqüestrado, com os olhos vendados, por agentes do DOI-CODI, às 4 horas da madrugada e colocado em avião. Só vim ter noção do meu paradeiro quando fui entregue ao Comando do I Exército no Estado do Rio de Janeiro e levado para o quartel no bairro da Tijuca.
Nessa prisão fui barbaramente torturado. Logo que cheguei, arrancaram minha perna mecânica e minhas roupas e fui colocado nu em uma cela chamada geladeira. Ali permaneci durante 8 meses, só recebia pão e água como alimento. Defecava e urinava no mesmo local em que ficava, pois não havia privada e o local era muito apertado. Dalí só saía quando era levado para interrogatório sob tortura, numa sala à prova de som. Fui inicialmente torturado numa tal “cadeira de dragão”, que é uma cadeira de ferro com braços, na qual eu era amarrado e pendurado de cabeça para baixo encapuzado, recebendo pancadas de cassetete e choque elétrico nos órgãos genitais até que perdia os sentidos e desmaiava. Às vezes as torturas eram à base de palmatória, murros, pontapés e até golpes de caratê. Em uma dessas sessões, nu e sem a perna mecânica caí de queixo e fraturei o maxilar. Num tal dia fui levado de carro para um local onde tinha uma espécie de piscina, onde me amarraram com os braços atado às pernas, tipo um porco, e jogaram-me na água umas três vezes, só puxavam na corda quando eu já estava quase desfalecendo. Nesse mesmo local fui colocado amarrado em um poste com os braços algemados, sem a perna mecânica. Ali fui novamente brutalmente espancado durante horas. Ao sair dali eu estava um verdadeiro trapo humano, totalmente roxo e desfigurado. Levaram-me para o hospital onde me deram banho de gelo. Logo que apresentei melhora recomeçaram as sessões de torturas com os mesmos métodos de violência física e psicológica. Tudo isso foi muito cruel e marcante, mas nada se compara com a violência que ainda viria a sofrer. Como os cheques e pancadas não fizeram eu delatar os companheiros e companheiras também procurados, os torturadores resolveram aumentar meu sofrimento. Primeiramente pregaram meu pênis, com prego mesmo, em uma mesa, e depois com uma espécie de agulha grande fincavam meu saco escrotal. Era de fato, uma dor insuportável e impossível de ser imaginada, só mesmo sentida.
Além das torturas físicas e psicológicas rotineiras, umas três vezes fui levado de avião para sobrevoar algum lugar que eu não sabia onde, pois estava sempre encapuzado. Primeiramente faziam as torturas psicológicas dizendo que me jogariam no mar para ser devorado por tubarões, outras vezes diziam que estavam sobrevoando a floresta amazônica e que iriam me jogar às onças. Algumas vezes fui jogado do avião pendurado por uma corda em uma água que não sei do que se tratava.
Do ponto de vista dos danos morais muitas foram as difamações sofridas, muitas estórias foram ditas, escritas e difundidas a meu respeito. Vou destacar apenas a que tenho prova material. Trata-se de uma matéria, “O HOMEM DA PERNA DE PEQUIM”, da revista O CRUZEIRO, de 11-10-1972, reportagem de Claudio Rocha. Nessa matéria fui taxado de “PROFISSIONAL DO TERROR”. Em um dos tópicos, intitulado “SUA VIDA DE CRIMES”, pode lê-se: “Seu currículun vita é uma escalada de crimes. Desenvolveu atividades subversivas no vale do Pindaré, no Maranhão, a partir de 1962. Pregava abertamente a solução dos problemas sociais por intermédio da violência e do crime. Fez-se líder dos descontentes, mostrando-lhes o caminho errado. Arregimentou bandos armados para pilhagem, sob ideológica do terror. (…) Fez curso de guerrilha no nordeste. E foi então que espalhou a morte e o saque no sertão maranhense, equipado com as técnicas importadas. Exterminava homens, animais, plantações. Assassinava a sangue frio.”
Pois bem, nobres senhores e senhoras, esse foi o currículun a mim atribuído pelos meus perseguidores através dos seus veículos de comunicação. Essa foi a imagem que grande parte da sociedade brasileira recebeu de minha pessoa, meus parentes, filhos e conterrâneos. É evidente que ninguém iria querer aproximação com uma figura monstruosa e sanguinária como a que me pintavam. Mas a grande verdade é que eu tive minha vida totalmente devassada, investigada minuciosamente pelo sistema de inteligência do regime militar e nunca apresentaram uma prova sequer das acusações e difamações a mim imputadas pela ditadura militar. Por conta de todas essas torturas, da mutilação sofrida, das privações impostas e do sofrimento e condições inumanas a mim impostas pelo Estado sob regime militar, estou processando o Estado brasileiro. O processo já tramita na justiça a mais de seis anos e até o momento não tive a atenção da Justiça quanto à reparação dos graves danos que o Estado causou a mim e à minha família. Não que haja qualquer forma de reparação às várias violências físicas, psicológicas e morais sofridas, mas penso que um Estado enquanto ente maior de representação de uma nação não pode isentar-se das suas responsabilidades.
Finalmente, quero aproveitar o ensejo para agradecer de coração e alma às pessoas e entidades que foram responsáveis pela salvação de minha vida dos porões da ditadura militar. Presto aqui minha homenagem à Anistia Internacional, que fez uma imensa campanha mundial pela minha vida e liberdade; às igrejas católicas e evangélicas que também se manifestaram em minha defesa, sobretudo através da atuação do Conselho Mundial das Igrejas, sediado na Genebra-Suíça; à Liga Suíça de Defesa dos Direitos Humanos, também sediada em Genebra; à Organização Internacional do Trabalho-OIT; à rádio BBC de Londres, que difundiu ampla campanha em prol de minha libertação; ao Partido do Trabalho da Albânia, que na época denunciou as torturas e cobrou providências do governo brasileiro pela minha vida. Também quero agradecer toda a solidariedade que tive da companheirada e das organizações progressistas que, apesar das perseguições, atuavam bravamente no território brasileiro para salvar as vidas dos perseguidos pelo governo militar.
Agradeço com muito amor e carinho à honrosa atenção dos Senhores e das Senhoras. Reafirmo a minha esperança na construção de um mundo humanamente solidário, economicamente justo e efetivamente democrático com o progressivo empoderamento da Classe Trabalhadora. Estou disposto a continuar a nossa luta, se necessário, recomeçaremos tudo de novo.
Brasília-DF, 16 de Maio de 2012.