Por Lívia Duarte
Em 2001, o dicionário Houaiss não dava nenhuma notícia do que poderia ser “economia verde” – ao contrário da economia de escala, de guerra, de mercado, de palitos, dirigida, doméstica e muitas outras. Ainda agora, passados 10 anos, o conceito não pode ser compreendido com a clareza dos dicionários.
No entanto, já faz parte de documentos da ONU, acompanhados ou não da definição necessária aos conceitos que determinarão nosso jeito de viver. O documento “zero” da Rio+20 é um bom exemplo: o adjetivo “verde” acompanha o substantivo “economia” quase 40 vezes, em 20 páginas. No entanto, não achamos ali a definição para o novo conceito.
As possíveis definições constam em outras peças diplomáticas e no discurso de corporações e governos. E não parecem apontar para um modo de viver radicalmente diferente do atual, mas para o aprofundamento da forma de produção e consumo dominante no mundo, que gera desigualdades entre países e povos, além de múltiplas crises, como a ambiental.
Pablo Sólon, que foi embaixador da Bolívia na ONU, lembrou que no momento da convocatória, a Rio+20 deveria ter sido, fundamentalmente, um espaço de avaliação dos avanços de cumprimento da Agenda 21 (acordada na Eco 92) e, quem sabe, motivadora de seu fortalecimento.
A economia verde, no primeiro momento, era um tema em discussão. Algo secundário. Por pressões de diversos atores, especialmente países da União Europeia, se transformou em central – mesmo, segundo Sólon, não tendo aceitação unânime entre as nações.
Na opinião dele, a falta de definição do termo “economia verde” para a Rio+20 é um enorme risco. E não considera que estejamos falando apenas de um novo slogan: “Os entusiastas dizem que economia verde é tudo: separar o lixo, indústrias limpas, estar com Pachamama, vender créditos de carbono, tudo isso pode ser economia verde. E por isso não definir esta economia no documento. Se aceitamos isso, assinamos um cheque em branco”, avalia o ex-embaixador, explicando que a Rio+20 não será o lugar de fechar tratados.
“O que querem é o mandato para formular a arquitetura institucional necessária a criar este mercado de bens intangíveis. Depois, o processo vai se dar praticamente sozinho”, vaticina. E segue: “Se não temos uma posição categórica de repúdio à economia verde seremos cúmplices do lançamento de um dos maiores negócios de roubo da natureza que será lançado no Rio de Janeiro, em junho. É muito complicado porque há muitos interesses e um mercado multimilionário que não vai resolver nada, mas eles esperam, vai reverter as taxas decrescentes de lucro do sistema capitalista”.
E foi em busca de uma “outra economia” que representantes de entidades e movimentos sociais “críticos à economia verde” se reuniram no seminário “Rumo à Rio+20: Por uma outra economia” *.
Além de expor alguns elementos que os fazem “críticos”, concluíram que para encontrar um novo modo de viver não é preciso sair do zero. Como sintetizou Maria Emília Pacheco, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), não faltam práticas à margem da hegemonia, além de conceitos em construção – o bem-viver, os bens-comuns, o decrescimento -; valores sendo reforçados, como a justiça ambiental; e lógicas que não se regem pela subordinação direta, como a economia do cuidado – para a qual apontam as feministas – e a economia da reciprocidade, seguida por comunidades tradicionais e camponesas ao redor do globo.
Também a insurgência de novos direitos, estes coletivos, em oposição aos mecanismos de propriedade privada ou intelectual, podem ser levados em conta, somados aos direitos dos agricultores, dos povos e da natureza (como já figura em duas constituições latino-americanas).
O desafio, portanto, estará em tornar visíveis práticas tão plurais quando um encontro mundial do tamanho da Rio+20 aponta, exclusivamente, para a velha economia que vivemos, agora pintada de verde.
* O seminário “Rumo à Rio+20: Por uma outra economia” for organizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), ASPTA – Agricultura Familiar e Agroecologia; Fase – Solidariedade e Educação; FBSSAN – Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional; FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária e Núcleo Amigos da Terra Brasil e SOF – Sempreviva Organização Feminista.
* Texto [resumido] extraído do site www.fase.org.br.
Fonte: Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase)