Por Paul Singer

As afirmações do Prof. Dagnino* (veja nota de rodapé) se referem ao programa governamental de erradicação da miséria no Brasil. Ele sugere que para o êxito do programa as compras públicas deveriam ser feitas de empreendimentos de economia solidária porque “estarão gerando trabalho e renda em espaços onde a tecnologia convencional – desenvolvida pelas empresas – é crescentemente incapaz de fazê-lo.”

Estas afirmações pressupõem que um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento da economia solidária – que certamente contribuiria para a erradicação da miséria – é o acesso insuficiente dos seus empreendimentos a mercados para vender sua produção. Há muita verdade nisso, pois a grande maioria dos muito pobres vive e trabalha em bolsões de miséria, onde os moradores têm muito pouco dinheiro para gastar. Esta carência de capacidade aquisitiva das comunidades limita o escoamento da produção dos empreendimentos de economia solidária. Por isso, é importante que o governo dirija uma parte de suas compras, que se destinam a aliviar o sofrimento decorrente da pobreza, a empresas que dão trabalho e geram renda para pobres.

Há vários programas do governo brasileiro que fazem isso. Um deles é o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, que integra o Fome Zero, pelo qual o governo federal adquire alimentos de agricultores familiares, desde que organizados em associações ou cooperativas. Os produtos adquiridos são doados a pessoas que deles carecem por meio de escolas, creches, abrigos, albergues, asilos, hospitais e ONGs. O valor das compras do PAA, entre 2003 e 2009 foi de 2,7 bilhões de reais, recebidos por 764 mil agricultores familiares. Os alimentos adquiridos foram doados a cerca de 7,5 milhões de consumidores.

Outro programa importante é o da Alimentação Escolar, aprovado em 2009 pela Lei 11.947, que determina que pelo menos 30% dos recursos gastos para a merenda escolar sejam usados para a compra de alimentos da agricultura familiar, sempre que possível no mesmo município em que se situa a escola. Este programa representa outro grande incentivo para o progresso dos camponeses, que se sentem orgulhosos em poder contribuir com seu trabalho para a alimentação de seus filhos matriculados em escolas públicas. Segundo o relatório do MDS, o Programa de Alimentação Escolar possibilita a cada família camponesa obter uma renda anual de até 9.000 reais.

Finalmente, a Lei Geral da Micro e Pequenas Empresas, mais conhecida como a Lei do SuperSimples, de 2006, em seu art. 47 determina que nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte. O art.48 diz:, que a administração pública poderá realizar processo licitatório: I – destinado exclusivamente a participação de micro e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 II – em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% do total licitado e III – em que se estabeleça cota de até 25% do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.

Estas iniciativas legislativas, todas relativamente recentes, indicam que a proposta do Prof. Dagnino começa a se tornar realidade. Elas não se referem a empreendimentos de economia solidária mas a agricultores familiares, micro e pequenas empresas. Quando estas se associam em cooperativas ou redes elas se tornam empreendimentos de economia solidária. Mas, mesmo quando permanecem isoladas, não há dúvida que o acesso a compras e contratações do poder público federal, estadual ou municipal gera mais trabalho e mais renda para pessoas que em sua maioria carecem dos mesmos, contribuindo para a erradicação da miséria em nosso país.

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A economia solidária tem feito progressos notáveis: hoje ela está presente em todos estados da União; já em 2007, o mapeamento da economia solidária registrou cerca de 22 mil empreendimentos com aproximadamente um milhão e setecentos mil sócios e tudo indica que desde então ela continuou se expandindo rapidamente. O crescimento das associações de economia solidária como o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, a UNICAFES, a UNISOL e as redes de Incubadoras de Cooperativas Solidárias são indícios desta difusão.

O novo mapeamento em curso, que ainda não apresenta resultados finais, permite perceber que parte dos empreendimentos cadastrados em 2007 não existem mais, pelo menos no endereço de então. Isso mostra que muitos empreendimentos de economia solidária ainda são bastante frágeis. Aumentou bastante também o apoio do poder público à economia solidária, não só do governo federal mas também de governos estaduais e municipais. Esta expansão do apoio público deverá contribuir para o fortalecimento dos empreendimentos, inclusive pela aprovação de leis que favorecem a abertura dos mercados governamentais aos micro e pequenos empreendimentos.

Tudo isso permite esperar que em 2011 o avanço tanto da economia solidária como da erradicação da miséria continue com vigor cada vez maior.

*Este texto foi escrito em resposta ao artigo publicado na Folha de S. Paulo no último dia 6 pelo mestre em economia do desenvolvimento e professor da Unicamp, Renato Dagnino e intitulado “Erradicação da miséria e tecnociência” disponível aqui

O autor é o secretário nacional de Economia Solidária do MTE