Por Daniel Tygel

Foi aprovada no dia 28 de abril a Lei de Economia Popular e Solidária e Finanças Populares e Solidárias do Equador.

Este fato é um estímulo e subsídio importantes para nossas audiências públicas e debates a respeito da Economia Solidária e seu horizonte de transformação, que no caso do Equador se chama Kumak Kawsay (Bem Viver), que posiciona a vida acima do lucro e do individualismo. Vejam algo sobre o Kumak Kawsay aqui: http://www.cimi.org.br/?system=news&eid=409 .

Notem que a lei incorpora num mesmo texto a regulamentação das organizações de finanças populares (como do PL proposto por Luiza Erundina) e a regulamentação da Economia Popular Solidária (na linha do nosso PL da Economia Solidária que o FBES submeterá este mês ao Congresso Nacional).

Outra observação interessante é que são definidos 4 formas de organização: Setores Comunitários, Associativos e Cooperativistas, assim como as “Unidades Econômicas Populares”. As 3 primeiras são coletivas, e a última são individuais ou familiares, como artesãos, pipoqueiros, etc. Vejam que, com isso, não se entra no mérito das “micro e pequenas empresas”.

É uma maneira direta de tratar de setores individuais e familiares do mundo da economia popular numa lógica distinta à lógica do “empreendedor individual” que está em voga para o governo brasileiro. É só ver a definição inicial, que claramente aponta a supremacia da vida sobre o lucro como horizonte e princípio da EPS.

No caso brasileiro, estas “unidades econômicas populares” costumam participar de fóruns de economia solidária, em especial artesãos e artesãs, mas não são considerados empreendimentos solidários, pois não são coletivos. Só passam a sê-lo quando estas unidades se associam para comercializar, comprar insumos ou produzir. Acredito que este debate é interessante para fazermos depois desta tempestade do PL 865, no futuro: como a Economia Solidária contribui e pode contribuir ainda mais na organização da chamada “Economia dos Setores Populares” de modo emancipatório e no sentido de fortalecer uma orientação de desenvolvimento territorial, sustentável e solidário?

Outro aspecto interessante é que os 3 tipos coletivos de organização são cadastrados via um sistema próprio de registro (ou seja, não é a junta comercial, mas uma junta da economia popular e solidária). Por fim, me chamou a atenção o “ato econômico solidário”, que é uma espécie de “ato cooperativo” mais amplo, abrangendo todas estas opções de organização econômica solidária.

A lei está neste link abaixo. Vale a leitura!

Lei_de_EPS_e_Finanças_Solidárias_do_Equador_2011-05-11.doc

Apenas para dar um gostinho, tomei a liberdade de traduzir e reproduzir abaixo os 4 primeiros artigos da lei (definição, objeto e princípios). Os princípios são muito bonitos e afinados com os nossos da Economia Solidária do Brasil.

Ao final deste texto, reproduzo também alguns artigos e extratos da Constituição do Equador, que dão a base para esta lei.

Artigo 1.- Definição.- Para efeitos da presente Lei, entende-se por economia popular e Solidária a forma de organização econômica, em que seus integrantes, individual ou coletivamente, organizam e desenvolvem processos de produção, trocas, comercialização, financiamento e consumo de bens e serviços, para satisfazer necessidades e gerar renda, baseadas em relações de solidaridade, cooperação e reciprocidade, privilegiando o trabalho e o ser humano como sujeito e fim de sua atividade, orientada ao bem viver, em harmonia com a natureza, sobre a apropriação, o lucro e a acumulação de capital.

Artigo 2.- Âmbito.- Se regem pela presente lei, todas as pessoas físicas e jurídicas, e demais formas de organização que, de acordo com a Constituição, conformam a economia popular e solidária e o setor Financeiro Popular e Solidário; e, as instituições públicas encarregadas da reitoria, regulação, controle, fortalecimento, promoção e acompanhamento.

As disposições da presente Lei não se aplicarão às formas associativas sindicais, profissionais, laborais, culturais, desportivas, religiosas, entre outras, cujo objeto social principal não seja a realização de atividades econômicas de produção de bens ou prestação de serviços.

Tampouco serão aplicáveis as disposições da presente Lei aos mutuais e fundos de inversão, as mesmas que se regirão pela Lei Geral de Instituições do Sistema Financeiro e Lei de Mercado de Valores, respectivamente.

Artigo 3.- Objeto.- A presente Lei tem por objeto:

Reconhecer, fomentar e fortalecer a Economia Popular e Solidária e o Setor Financeiro Popular e Solidário em seu exercício e relação com os demais setores da economia e com o Estado;

Potencializar as práticas da economia popular e solidária que se desenvolvem nas comunas, comunidades, povos e nacionalidades (nações indígenas), e em suas unidades econômicas produtivas para alcançar o Sumak Kawsay;

Estabelecer um marco jurídico comum para as pessoas físicas e jurídicas que integram a Economia Popular e Solidária e do Setor Financeiro Popular e Solidário;

Instituir o regime de direitos, obrigações e benefícios das pessoas e organizações sujeitas a esta lei; e,

Estabelecer a institucionalidade pública que exercerá a reitoria, regulação, controle, fomento e acompanhamento.

Artigo 4.- Princípios.- As pessoas e organizações amparadas por esta lei, no exercício de suas atividades, se guiarão pelos seguintes princípios, segundo corresponda:

A busca do bem viver e do bem comum;

A prioridade do trabalho sobre o capital e dos interesses coletivos sobre os individuais;

O comércio justo e consumo ético e responsável:

A equidade de gênero;

O respeito à identidade cultural;

A autogestão;

A responsabilidade social e ambiental, a solidariedade e responsabilização; e,

A distribuição equitativa e solidária de excedentes.

Extratos da Constituição do Equador

feito em 2009 e enviado à lista e-solidaria:

Amigas e amigos do e_solidaria,

estou sinceramente emocionado com esta lei aprovada no Equador (mandei a íntegra na última mensagem).

Partilho alguns poucos elementos da lei, para vocês verem. Só para ter uma idéia, o Equador se declara, POR LEI, LIVRE DE TRANSGÊNICOS! Vejam estes trechos que selecionei, abaixo. VIVA O EQUADOR!!

Artículo 3. Deberes del Estado.- Para el ejercicio de la soberanía alimentaria, además de las responsabilidades establecidas en el Art. 281 de la Constitución el Estado ̧ deberá: (…)

c) Impulsar, en el marco de la economía social y solidaria, la asociación de los microempresarios, microempresa o micro, pequeños y medianos productores para su participación en mejores condiciones en el proceso de producción, almacenamiento, transformación, conservación y comercialización de alimentos;

Artículo 13. Fomento a la micro, pequeña y mediana producción.- Para fomentar a los microempresarios, microempresa o micro, pequeña y mediana producción agroalimentaria, de acuerdo con los derechos de la naturaleza, el Estado: (…)

d) Promoverá la reconversión sustentable de procesos productivos convencionales a modelos agroecológicos y la diversificación productiva para el aseguramiento de la soberanía alimentaria; (…)

i) Facilitará la producción y distribución de insumos orgánicos y agroquímicos de menor impacto ambiental.

Artículo 14. Fomento de la producción agroecológica y orgánica.- El Estado estimulará la producción agroecológica, orgánica y sustentable, a través de mecanismos de fomento, programas de capacitación, líneas especiales de crédito y mecanismos de comercialización en el mercado interno y externo, entre otros. En sus programas de compras públicas dará preferencia a las asociaciones de los microempresarios, microempresa o micro, pequeños y medianos productores y a productores agroecológicos.

Artículo 17. Leyes de fomento a la producción.- Con la finalidad de fomentar la producción agroalimentaria, las leyes que regulen el desarrollo agropecuario, la agroindustria, el empleo agrícola, las formas asociativas de los microempresarios, microempresa o micro, pequeños y medianos productores, el régimen tributario interno y el sistema financiero destinado al fomento agroalimentario, establecerán los mecanismos institucionales, operativos y otros necesarios para alcanzar este fin.

El Estado garantizará una planificación detallada y participativa de la política agraria y del ordenamiento territorial de acuerdo al Plan Nacional de Desarrollo, preservando las economías campesinas, estableciendo normas claras y justas respecto a la operación y del control de la agroindustria y de sus plantaciones para garantizar equilibrios frente a las economías campesinas, y respeto de los derechos laborales y la preservación de los ecosistemas.

Artículo 19. Seguro agroalimentario.-El Ministerio del ramo, con la participación y promoción de la banca pública de desarrollo y el sector financiero, popular y solidario, implementarán un sistema de seguro agroalimentario para cubrir la producción y los créditos agropecuarios afectados por desastres naturales, antrópicos, plagas, siniestros climáticos y riesgos del mercado, con énfasis en el pequeño y mediano productor.

Artículo 26. Regulación de la biotecnología y sus productos.- Se declara al Ecuador libre de cultivos y semillas transgénicas. Excepcionalmente y solo en caso de interés nacional debidamente fundamentado por la Presidencia de la República y aprobado por la Asamblea Nacional, se podrá introducir semillas y cultivos genéticamente modificados. El Estado regulará bajo estrictas normas de bioseguridad, el uso y el desarrollo de la biotecnología moderna y sus productos, así como su experimentación, uso y comercialización. Se prohíbe la aplicación de biotecnologías riesgosas o experimentales.

Artículo 27. Incentivo al consumo de alimentos nutritivos.- Con el fin de disminuir y erradicar la desnutrición y malnutrición, el Estado incentivará el consumo de alimentos nutritivos preferentemente de origen agroecológico y orgánico, mediante el apoyo a su comercialización, la realización de programas de promoción y educación nutricional para el consumo sano, la identificación y el etiquetado de los contenidos nutricionales de los alimentos, y la coordinación de las políticas públicas.

Artículo 28. Calidad nutricional.- Se prohíbe la comercialización de productos con bajo valor nutricional en los establecimientos educativos, así como la distribución y uso de éstos en programas de alimentación dirigidos a grupos de atención prioritaria. El Estado incorporará en los programas de estudios de educación básica contenidos relacionados con la calidad nutricional, para fomentar el consumo equilibrado de alimentos sanos y nutritivos. Las leyes que regulan el régimen de salud, la educación, la defensa del consumidor y el sistema de la calidad establecerán los mecanismos necesarios para promover, determinar y certificar la calidad y el contenido nutricional de los alimentos, así como la promoción de alimentos de baja calidad a través de los medios de comunicación.

Além destes itens e outros, a lei também cria o Conselho Nacional de Soberania Alimentar, o Sistema, e a Conferência. Infelizmente o conselho é consultivo (nem tudo são flores)….

Abraços: este foi um bom jeito de encerrar este carnaval de 2009! Temos o que aprender com o Equador, definitivamente.

daniel tygel, 25 de fevereiro de 2009