Por Vanessa Ramos, da Página do MST
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003, tem garantido a comercialização de produtos agrícolas de assentados e pequenos agricultores, em determinadas regiões brasileiras. Dessa forma, o governo federal busca viabilizar o acesso a alimentos a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional.
O programa visa também contribuir para formação de estoques e permitir aos agricultores familiares que armazenem seus produtos para que sejam comercializados a preços considerados justos no mercado.
A lógica de funcionamento do PAA é simples. Por meio de convênios firmados via editais públicos, o programa compra alimentos de pequenos agricultores ou assentados. Esses alimentos, em geral, são doados para restaurantes populares, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos, creches, asilos, instituições filantrópicas, além de outros.
No entanto, o número de agricultores favorecidos ainda é muito pequeno. Além disso, o programa também apresenta algumas limitações, que dificultam o avanço da agricultura familiar no país, como transporte para a entrega dos produtos.
“Se, por exemplo, o cara está lá num assentamento, a 60 km da cidade. Então, ele vende os produtos, mas como é que ele vai entregar numa associação, numa escola, numa creche na cidade? Essa infraestrutura não existe ainda”, contou Egidio Brunetto, da coordenação do MST.
Desde 2003, houve um investimento de R$ 3,5 bilhões no programa, mas a comercialização feita pelo PAA ainda é muito pequena. Para Brunetto, uma das principais dificuldades é o limite de venda imposto a cada um dos agricultores, estabelecido em R$ 4.500 por ano, o que não chega nem a R$ 400 por mês.
Abaixo, leia entrevista com o integrante da Coordenação Nacional do MST, Egidio Brunetto, que milita no Mato Grosso do Sul, à Página do MST.
Como é que você avalia o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)?
Do ponto de vista da estratégia da soberania alimentar, estoque de alimentos e distribuição de vendas, é um dos mais importantes que o governo tem. É superior até ao Fome Zero, porque permite aos agricultores e às famílias assentadas ter garantia de venda de uma quantidade enorme de produtos, mas também de vender por um preço justo, além de garantir acesso gratuito a alimentos por famílias que não podem comprar. Também é um programa que envolve, dentro do PAA, a aquisição e distribuição de sementes tradicionais como as de feijão, milho, arroz e etc. pela Conab.
Como é feita essa distribuição?
A Conab adquire e distribui as sementes para agricultores produzirem alimentos. Nós temos programa de sementes de feijão, de milho, de arroz. Esse é um programa importante, porque permite acesso gratuito às sementes, já que as sementes são muito caras. Com isso, grupos de agricultores podem produzir sementes e ser bem remunerados na produção.
O PAA valoriza a agricultura familiar?
Valoriza a agricultura e todos os agricultores na produção de alimentos. Também viabiliza uma estratégia de autossuficiência na produção de alimentos, que nós chamamos de soberania alimentar, que envolve o direito de produzir mas também de ser remunerado e ter um lugar para vender. Embora ainda tenha insuficiência de recursos, insuficiência de infraestrutura da Conab, ainda há muita burocracia e problemas na distribuição, mas é um programa excelente.
Quais são as maiores dificuldades do PAA?
A maior dificuldade é o pouco volume de recursos individuais, porque as famílias podem vender até R$ 4.500 por ano. O ideal seria que fosse, pelo menos, R$ 1.000 por mês. Aí teria uma cota familiar de R$12 mil. O segundo é o volume geral do orçamento, que também é pouco. E depois tem que melhorar as condições da Conab. A Conab não tem técnico, não tem infraestrutura nas regiões para encaminhar os projetos. Essas limitações precisam ser superadas para ter um grande programa.
Há problemas para a distribuição dos alimentos?
Se, por exemplo, o cara está lá num assentamento, a 60 km da cidade. Ele vende os produtos, mas como é que ele vai entregar numa associação, numa escola, numa creche na cidade? Essa infraestrutura não existe ainda. Tem locais que o assentamento é perto da cidade. Então, ele entrega nas escolas de lá, na prefeitura. Algumas associações tem alguns transportes e vai buscar. Mas essa estrutura é muito frágil ainda.
Se for longe, o governo não oferece transporte. Agora, na compra direta de feijão ou grãos em geral, a Conab busca. Geralmente, isso acontece para formação de estoque. Quando é para doação, o produtor tem que achar a forma de entregar. Então, depende do caso. Mas, em geral, não tem infraestrutura de transporte, que é o principal.
Qual é a importância do PAA para os assentados?
Distribui renda e aumenta os recursos dos assentados. Também garante a venda da plantação, por exemplo, de feijão, de milho, que vai ter um preço razoável e vai ter a garantia da compra. E garante o desenvolvimento local e garante que as famílias recebam renda. Diferente de você receber o Bolsa Família, porque com ele você come, com o PAA se investe, produz, vai melhorando a estrutura produtiva e vai sendo remunerado por ela. Essa sim é uma distribuição de renda que fortalece o desenvolvimento dos assentamentos.
Antes da elaboração do PAA, como era feita a comercialização dos produtos?
Não era feita. E mesmo com o PAA, a comercialização ainda é muito pequena, até porque o programa é recente, ele ainda é muito insignificante. É um embrião ainda. Agora que a Dilma vai colocar R$ 3 bi, vai ser um programa mais significativo. Porque, investir apenas R$ 400 mi não significa nada. Até agora, o PAA tem mais simbologia do que outra coisa. Ele tem importância, mas não atinge o conjunto dos assentamentos e também das comunidades rurais.
Como você avalia os impactos do programa no Mato Grosso do Sul?
O caso de maior sucesso aqui está relacionado à semente. No Assentamento do Itamarati, é produzido semente de arroz, feijão, milho e a Conab adquire. Então, são distribuídos milhares de sacos de feijão e milho no Paraná, agora para São Paulo. São Paulo já está fazendo a primeira colheita das sementes que nós mandamos para lá. Por isso, o programa é tão importante, principalmente porque está relacionado ao banco de sementes e à soberania alimentar. Paraná, por exemplo, vai produzir feijão. São Paulo já está produzindo feijão e milho.
Aqui, nós vamos produzir feijão, milho, arroz com as sementes que a Conab adquiriu do Assentamento do Itamarati. A ideia é que se amplie esse programa relacionado às sementes para a produção de alimentos. Claro que para participar desse programa é preciso que as sementes tenham um padrão técnico. Elas também precisam ser acompanhadas pelo Ministério da Agricultura, pela Embrapa para verificar se as sementes estão dentro do padrão estabelecido para as sementes. Assim, a Conab adquire e é feita a doação das sementes, igual à compra que a PAA faz, que é compra com doação. E essas sementes são doadas para assentamentos e comunidades rurais de outras regiões. No caso de São Paulo, foi doado para a região de Itapeva e já estão colhendo feijão lá. Para lá foram 1500 sacos de feijão. Mas a compra das sementes pela Conab está dentro da cota de R$ 4.500 por família, o que não é muito bom.
Por que o PAA contribui para garantir a soberania alimentar nacional? Há outros programas que cumprem esse papel?
A soberania alimentar é o direito e o dever de produzir, e o PAA é o único programa que responde a isso, porque permite que o Estado adquira o produto e que as famílias possam acessar de forma barata ou de forma gratuita parte dos alimentos que ela vai consumir. Qualquer produto regional é um dos fatores importantes da soberania alimentar e a Conab compra – como mel lá do Acre, castanha lá do Pará. Esses produtos compõem a soberania alimentar, que são a produção de produtos alimentares de acordo com a cultura de cada região.
O que representa a compra de 30% da agricultura familiar para a merenda escolar, O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)?
Agora a lei obriga as escolas a comprarem até 30% da agricultura familiar. Mas isso está só começando, porque tem a legislação, tem a questão sanitária, tem as chamadas públicas, uma série de normas. Tem também vários problemas, mas o programa é muito importante. Agora, vamos ver a capacidade de estruturação dele. Embora seja realizado em alguns locais, o programa ainda atinge um número de assentados muito pequeno. Além disso, o programa ainda está confuso, porque os 30% é muito relativo.
Como assim?
Para algumas regiões, essa porcentagem representa uma grande quantidade de produtos, mas para outras não. Vamos pegar o Mato Grosso do Sul, por exemplo, 30% significa pouco. Mas em São Paulo, onde você tem 30 milhões de habitantes e muitas escolas, a demanda é maior que a oferta. Em outros estados, a oferta é maior que a demanda. Isso vai depender de cada região. É bem provável que estados vizinhos de São Paulo, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, vão poder levar as estruturas para São Paulo. Mas vai ter que ser bem pensado, porque envolve imposto, transporte e muitas vezes não compensa. Por exemplo, levar o feijão daqui do Mato Grosso do Sul para São Paulo, que gera imposto, transporte, tem também as barreiras sanitárias de cada estado, às vezes não compensa. Então, ainda tem muitas coisas que impedem do programa fluir. O desafio é adaptar o programa.
Quais são as propostas do Movimento para fazer a pequena agricultura avançar?
Tem que se fazer a Reforma Agrária, não tem jeito. Mas é preciso garantir assistência técnica para os agricultores e preços justos no mercado. É por ai que se faz o fortalecimento da agricultura.