Por: João Roberto Lopes Pinto
A atuação do BNDES no período Lula mostra o quanto o Estado pode se fortalecer sem se tornar autônomo em relação a grupos econômicos
O debate entre oposição e governo sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é revelador, menos pelo que se diz e mais pelo que se deixa de dizer. O não dito é o modelo de desenvolvimento em curso no Brasil e o papel do Estado nele. A polêmica sobre subsídios, endividamento público e privilégio a grupos econômicos precisa levar em conta o papel do Estado na reorganização do capitalismo brasileiro nas últimas duas décadas.
Quando se fala hoje sobre grupos econômicos favorecidos pelo BNDES, é importante lembrar que a maioria desses beneficiados iniciou o seu processo de conglomeração nas privatizações iniciadas em 1995, à base de financiamentos do BNDES. Tais grupos já se orientavam para o setor de commodities. O governo Lula alinhou-se às dinâmicas de conglomeração e internacionalização deles, reforçadas no contexto de aumento da demanda externa.
Nesse quadro, dois temas merecem ser debatidos. Um é se o país faz bem ao apostar as fichas no setor de commodities -intensivos em natureza, geradores de poucos empregos e sujeitos a instabilidades globais. Corremos o risco de inibir a diversificação econômica e reproduzir uma inserção subordinada na divisão internacional do trabalho.
O outro debate é sobre o papel do Estado. Nesse caso, há, sim, diferenças entre FHC e Lula. Sob o primeiro, a transferência dos recursos públicos para o setor privado foi feita pela redução do aparato estatal na economia.
Com Lula, o Estado foi indutor e parceiro do capital privado. O governo atual mostrou que, se a ausência do Estado reduz o potencial para o controle público, mais Estado tampouco é sinônimo de maior regulação.
A atuação do BNDES no período Lula mostra o quanto o Estado pode se fortalecer sem se tornar autônomo em relação aos interesses dos grupos econômicos. O BNDES, por exemplo, faz menos do que poderia na área de contrapartidas sociais e ambientais. A política ambiental do banco responde a uma demanda do Banco Mundial, o “Empréstimo Programático para o Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável”, iniciativa de US$ 1,3 bilhão.
O projeto não realiza consultas públicas amplas e segue os questionados padrões ambientais do Banco Mundial. A falta de transparência chama a atenção por ferir o preceito constitucional de divulgação do uso do recurso público. Várias informações do banco permanecem sigilosas, como o total da carteira de investimentos e a classificação de risco ambiental. Sobre os projetos de fora do país, pouco se mostra.
Vale destacar que o debate atual sobre o banco tem se aproveitado de dados que o órgão disponibilizou pela primeira vez na sua história, depois de muita pressão da sociedade civil.
O BNDES deveria desempenhar um importante papel para um desenvolvimento equilibrado e justo. Caberia ao banco fomentar a diversificação produtiva, gerando mais emprego e favorecendo a desconcentração de riqueza. Ele poderia fortalecer a infraestrutura social, além de investir em inovação tecnológica. O primeiro passo, para isso, é começar a dizer o que não está sendo dito.
JOÃO ROBERTO LOPES PINTO, cientista político, é coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e membro da Plataforma BNDES, conjunto de organizações da sociedade civil defensoras da democratização do banco ( www.plataformabndes.org.br ).