Por Ana Rodrigues

Atrasados em pelo menos 50 anos em relação a outros países da América Latina, como Chile, México, Peru e Bolívia, por exemplo, o Brasil decide debater o modelo que está na raiz do seu processo de formação social, de urbanização e de desenvolvimento econômico e social. Trata-se, pois, de debater o limite da propriedade da terra.

Os países da América Latina, sobre os quais alguns imaginam que o Brasil triunfa em termos de desenvolvimento econômico, deveriam, em termos de estrutura agrária, nos servir de referencial pedagógico. Ora, o México fez a sua reforma agrária com base em sistemas de exploração comum em 1910, a Bolívia estabeleceu uma exploração individual com base na pequena propriedade em 1950 (que foi voltou a ser enfatizada durante o governo de Evo Morales), o Peru e o Chile, apostaram no limite da propriedade rural na década de 60. Cuba socializou a terra em 1967, após a Revolução. A Venezuela, após a Revolução, estabeleceu um sistema de exploração comum da terra, integrando comunidades urbanas ao processo, o que ligou a cidade também à cadeia produtiva de alimentos em vez de apenas à consumidora.

Alguns países, como Peru e Chile, apostaram na estatização da Terra como passo inicial para o processo de reforma. Outros (México e Bolívia) preferiram devolver a terra às comunidades estabelecendo explorações comuns e individuais, respectivamente. O que há em comum entre todos eles é que houve um projeto de Reforma Agrária composto por dois eixos principais: oferecer condições de produzir na terra e de comercializar os excedentes produzidos no mercado urbano.

Em outros países, como é o caso do Brasil e da Nicarágua, a reforma agrária falhou. Por razões e conseqüências diversas, no Brasil o processo é uma incongruência histórica. A maior delas é que aqui não existiu (e ainda não existe) um plano organizado com o objetivo de solucionar o problema agrário, os assentamentos foram e são apenas respostas reativas às mobilizações que ocorreram e ocorrem no campo e na cidade por ações dos movimentos sociais ligados ao campo. Na Nicarágua, a tentativa de quebra do monopólio da terra exercido por multinacionais americanas iniciou um processo de luta que culminou na vitória das empresas, que patrocinaram o golpe de Estado contra o governo deste país.

Incrivelmente de todos os países citados, o Brasil é o que mais tem terras cultiváveis. Mas, se existem terras cultiváveis em excesso e as mesmas não são cultivadas, é possível fazer a reforma agrária assentando famílias somente em latifúndios improdutivos? Não. A história comprova que os países que mantiveram a coexistência entre latifúndio (produtivo e/ou improdutivo) e pequena propriedade fracassaram na Reforma Agrária. Isso porque as vantagens do latifúndio se concretizam e inviabilizam a competição em dois aspectos: no aspecto da produção e da comercialização dos alimentos.

Os ganhos de escala que existem no latifúndio (na compra de sementes e insumos) não podem ser reproduzidos pela agricultura familiar. Cooperativas de compra poderiam viabilizar esse ganho de escala, no entanto elas geralmente não ocorrem ou não funcionam porque é praticamente impossível capitalizar essa cooperativa a ponto de ela gerar ganhos de escala.

Em termos de comercialização, a história se repete, ganhos de escala tornam o produto agrícola do latifúndio infinitamente mais barato, o que inviabiliza a competição com o produto gerado sem esse ganho de escala. Aqui, no entanto as cooperativas de venda tem ligeiro sucesso. Sucesso porque elas conseguem competir com preços menores no mercado. O grande problema é que para o agricultor familiar, vender em escala e produzir sem escala significa ganhar muito menos pelo que ele produz. Outro problema é a dificuldade de se padronizar os produtos, uma vez que são oriundos de locais e condições de produção diferentes.

Todos esses fatores, além da competição óbvia por espaço entre o latifúndio e a agricultura familiar, tornam a convivência entre essas duas modalidades de agricultura praticamente impossível. Diante disso, faz-se necessário atingir o cerne do problema agrário: a existência do latifúndio. Para que isso seja feito, no entanto, precisamos somar forças, precisamos de mais do que um simples plebiscito que, na melhor da hipóteses, tem força apenas de se tornar um projeto de lei de iniciativa popular que dependerá da boa vontade dos parlamentares para debater a questão e votar. Precisamos da pressão do executivo, de um projeto de reforma agrária de fato. E para isso não basta o discurso, é preciso planejar e programar as ações, porque já está provado que assentamentos não vão resolver o problema agrário no Brasil, ao contrário disso tendem a pauperizar o campo mais do que o processo natural de expropriação indireta promovida pelo capitalismo o fará.