Por Roberto Malvezzi (Gogó)
É época de São João, quando o Nordeste se torna mágico. As festas juninas por aqui têm o sabor das festas natalinas em outras regiões do país. Época de comer, brincar de quadrilhas e forró, celebrar, reencontrar a família, experimentar a gratuidade da vida.
Este ano ficou diferente. O Nordeste ficou de luto pelas cidades arrasadas pelas águas em Pernambuco e Alagoas. Algumas pessoas me escreveram perguntando: como se explica o que está acontecendo?
Dou três fatores para entendermos um pouco o que acontece.
Primeiro, a ilusão alimentada pela indústria da seca que “no Nordeste não chove”. Terrível inverdade. Poucos sabem que o açude Castanhão, no Ceará, com capacidade de armazenar quase sete bilhões de metros cúbicos de água, foi construído exatamente para aliviar as enchentes diluvianas dos rios Salgado e Jaguaribe. A música “Súplica Cearense”, quando um sertanejo implora a Deus para parar de chover, feita ainda em meados do século passado, ilustra essa dimensão pouco realçada do Nordeste.
Em segundo, poucos dias atrás, tivemos na Câmara Nacional de Outorga de Recursos Hídricos, uma oficina para construir os critérios de outorga – licença para uso – das águas dos rios intermitentes do Nordeste. Tive a honra de participar como representante da sociedade civil entre mais de cinqüenta técnicos do governo. Nossa conclusão foi unívoca: “esses rios são importantes, mesmo que as águas passem por eles apenas uma semana no ano. Esses rios só podem receber outorga para usar a água para consumo humano e animal, jamais para lançamento de efluentes – todo tipo de esgoto -, pois não tem massa hídrica para diluir os efluentes durante o resto do ano”. Portanto, mesmo que intermitentes, as águas desses rios serão utilizada pelas populações durante o resto do ano, quando elas ficam armazenadas em açudes, barragens ou pequenos barreiros. Hoje as armazenamos também em cisternas para beber e produzir. Acontece que, em anos de chuvas muito intensas, muitas dessas barragens se rompem, intensificando os desastres que acontecem à jusante.
Terceiro, cito o especialista em clima Phillips Fearnside, americano que vive na Amazônia. Em evento promovido pela CNBB sobre as Mudanças Climáticas, ele nos apresentou dezoito possíveis cenários para o Nordeste. A maioria falava de aumento das temperaturas e dos períodos de estiagem. Entretanto, um deles falava em chuvas diluvianas para o Nordeste. Por ser o único a projetar esse cenário, foi eliminado.
Minha opinião – embora eu não seja técnico, mas vivo aqui e vejo a mudança empiricamente – é que deveria ser mantido. Com o aquecimento do Atlântico grandes volumes de água estão se evaporando, caminhando para o continente, estacionando sobre o Nordeste e produzindo chuvas incalculáveis, como os 230 milímetros em uma chuva em Uauá, sertão da Bahia, ou os 400 milímetros em três dias como essas chuvas sobre Alagoas e Pernambuco. Lembremo-nos ainda das chuvas torrenciais em 2008 sobre Piauí, Ceará e Maranhão. Portanto, os tais fenômenos extremos que nos falam os estudiosos do clima estão realmente já acontecendo.
Somemos esses fatores e teremos um pouco do entendimento do novo Nordeste e da tragédia pernambucoalagoana.