Fonte: Enviado por Paulo Morais (paulosolidario@yahoo.com.br)
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
A Mesa Diretiva do CONSEA, em reunião realizada no dia 04 de fevereiro de 2009, analisou a Medida Provisória Nº 455, publicada no Diário Oficial de 29 de janeiro de 2009, que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e dá outras providências. A referida MP trata da normatização e ampliação do atendimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) as quais vinham sendo buscadas pelo Governo Federal por meio do Projeto de Lei da Câmara nº 178, de 2008 (PL 1.659/2008, originalmente), aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados e aguardando deliberação do Senado Federal.
A elaboração do PLC 178/08 foi uma iniciativa do FNDE que, desde os primeiros passos, caracterizou-se por envolver vários setores de governo e representantes de diversos segmentos sociais e categorias profissionais, numa construção participativa para a qual o CONSEA deu importante contribuição. Foram ouvidas representações de agricultores familiares, camponeses e assentados da reforma agrária, organizações e redes sociais que atuam no campo do direito humano à alimentação adequada, da soberania e da segurança alimentar e nutricional e da agroecologia, profissionais da nutrição, entre outros. A partir do encaminhamento do PLC ao Congresso Nacional pelo Governo Federal, todos os envolvidos vinham realizando ampla e permanente mobilização nacional visando a sua aprovação, com significativa repercussão e apoio.
Isto porque compreendiam que o conteúdo do referido PLC provocaria uma verdadeira inflexão na história do mais antigo e maior programa alimentar brasileiro, na direção de tornar o PNAE um instrumento de promoção do direito à alimentação adequada e saudável, ampliando seu atendimento para o ensino médio e para a educação de jovens e adultos.
A alimentação escolar veria reforçada sua dimensão educacional, com a promoção simultânea da diversidade cultural e ambiental que se expressa nos hábitos alimentares. A volumosa aquisição de alimentos feita pelo programa se tornaria também um instrumento de promoção do desenvolvimento local inclusivo e sustentável ao destinar ao menos um terço dos recursos para a aquisição de produtos da agricultura familiar em suas diversas formas.
O PLC estabelecia também as bases para um comprometimento efetivo da União, estados e municípios com a implementação do programa. Como esse Conselho vem reiterando junto à Vossa Excelência, desde sua recriação em 2003, é nossoentendimento que o PNAE constitui um dos principais programas estruturadores do futuro Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e da política que lhe corresponde, ambos em processo de construção a partir da sanção, por Vossa Excelência, da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), de 15 de setembro de 2006.
É nosso temor que esse processo se veja comprometido devido à oposição de setores contrários a que o Estado brasileiro assuma, plenamente, suas obrigações com a efetivação do direito humano à alimentação adequada e com a promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional. Faz parte dessa resistência a compreensão, a nosso ver nefasta, que toma a alimentação escolar como mais um mero negócio alimentar.
Essas circunstâncias resultaram na decisão governamental de editar a referida MP 455/09 que surpreendeu a todos os envolvidos no processo, aparentemente, visando dar celeridade à implementação do PNAE em novas bases, ao mesmo tempo em que buscou contemplar algumas das resistências ao PLC 178/08. Não podemos deixar de, respeitosamente, manifestar à Vossa Excelência a insatisfação da Mesa Diretiva do Conselho com o procedimento adotado que, sem embargo de suas intenções,interrompeu o processo de diálogo e participação acima descrito. Além disso, o procedimento adotado não contribui para a construção de um SISAN intersetorial e participativo, pois não envolveu a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) que, nos termos da LOSAN, deve desempenhar papel coordenador das ações de governo nessa área.
Na versão finalmente adotada na MP 455/09, três pontos se destacam entre aqueles que podem comprometer a desejada reorientação do PNAE, contemplada no PLC 178/08:
1. Os incisos I a IV do parágrafo 2º do Artigo 14 da MP 455/09 criaram circunstâncias que abrem a possibilidade de não ser cumprida a meta de adquirir ao menos 30% (trinta por cento) dos gêneros alimentícios da agricultura familiar. Tais incisos, segundo visão de representantes dos próprios agricultores familiares, consistem em critérios que excluem o segmento deste mercado institucional, pois facilitam aos gestores a dispensa do procedimento previsto no caput do artigo cujo princípio, claramente, é o da inclusão social do segmento e não o contrário, como sugere o parágrafo 2º e seus incisos.
2. A eliminação do parágrafo 8º do artigo 4º do PLC 178/08 pode referendar e mesmo apoiar as iniciativas de algumas administrações estaduais e municipais de entregar o oferecimento da alimentação escolar ao setor privado por meio de serviços encomendados a terceiros. Ao contrário, todo o processo priorizou a formulação de propostas para que o PNAE servisse de instrumento para o aprimoramento da alimentação escolar como parte do projeto pedagógico da escola e como uma política pública exercida com pleno controle e participação dos diferentes segmentos da comunidade escolar, respeitadas as normas do pacto federativo.
3. A exclusão dos parágrafos 2º e 3º e respectivos incisos de I a IV do artigo 11 do PLC 178/08, que tratam do planejamento dos cardápios da alimentação escolar com prioridade para os alimentos básicos, naturais e saudáveis nos preocupa sobremaneira pela possibilidade de gerar o recrudescimento de práticas comerciais comuns no passado do PNAE, quando alimentos formulados e industrializados de baixa qualidade nutricional e de alto custo eram largamente oferecidos aos escolares, a despeito dos hábitos culturais locais e da baixa aceitação por parte das crianças e jovens.
Cabe ressaltar que a tramitação da MP 455/09 no Congresso Nacional coloca a possibilidade de serem introduzidas novas alterações em direção oposta ao espírito do PLC 178/08.
A Mesa Diretiva do CONSEA, em virtude da importância estratégica do que foi acima relatado não apenas para o PNAE, como também para a construção do Sistema e da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, dirige-se respeitosamente à Vossa Excelência com o intuito de apresentar as seguintes proposições:
1. Fortalecer a CAISAN como instância para a formulação e concertação intersetorial das políticas estruturantes do SISAN e da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional a ele subjacente.
2. Conferir especial atenção aos aspectos acima destacados relativos à importância de se preservar um quantitativo mínimo para as aquisições da agricultura familiar pelo PNAE, às conseqüências negativas decorrentes da não coibição da terceirização do mesmo e ao estabelecimento de um planejamento mínimo do cardápio da alimentação escolar com prioridade para os alimentos básicos, naturais e saudáveis.
3. Zelar para que a tramitação da MP 455/09 no Congresso Nacional ocorra sem desrespeitar os princípios originalmente expressos no PLC 178/08, principalmente no que concerne à garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável, conforme preconizado na LOSAN.
Respeitosamente,
Renato S. Maluf
Presidente do CONSEA