Robert Fisk (Artigo publicado no jornal “O Globo” no dia 29 de dezembro)
Estamos tão acostumados a ver carnificinas no Oriente Médio que não ligamos mais.
Não está claro quantos dos mortos em Gaza são civis, mas a resposta do governo Bush, sem mencionar a pusilânime reação do premier britânico Gordon Brown, reafirma para os árabes o que eles sabem há décadas: o Ocidente está sempre do lado de Israel.
Como de costume, o banho de sangue foi culpa dos árabes que, como todos sabem, só entendem o uso da força.
Desde 1948, ouvimos dos israelenses e dos nacionalistas árabes e depois árabes muçulmanos a lengalenga de que Jerusalém será “libertada”. E sempre Bush pai e depois o filho, Bill Clinton, Tony Blair ou Gordon Brown chamam os dois lados e pedem moderação, como se ambos tivessem caças F-18, tanques Merkava e artilharia pesada. Os foguetes caseiros do Hamas mataram apenas 20 israelenses em oito anos. Mas num único dia a Força Aérea de Israel matou quase 300 palestinos, e apenas como parte de uma operação.
Sim, o Hamas provocou a ira de Israel, assim como Israel provocou a do Hamas. E o que isso quer dizer? O Hamas lança foguetes em Israel e Israel joga bombas no Hamas. Entendeu? Pedimos pela segurança de Israel, mas ignoramos o desproporcional massacre realizado por Israel.
No fim de semana tivemos 298 palestinos mortos para um israelense. Em 2006, a proporção era de 10 libaneses mortos para cada israelense que perdia a vida. Este fim de semana foi marcado pela inflação do número de mortos. O maior desde a guerra de 1973? Desde a Guerra dos Seis Dias, de 1967? De Suez, em 1956? Da Guerra de Independência de 1948? É um obsceno e nojento jogo que Ehud Barak, o ministro da Defesa de Israel, inconscientemente admitiu quando falou este fim de semana na Fox: “Nossa intenção é mudar totalmente as regras do jogo”, disse Barak.
Vários dos mortos do fim de semana pareciam ser do Hamas.
Mas o que isso resolverá? O Hamas dirá: “Oh, esse ataque foi impressionante e nós reconheceremos o Estado de Israel, entraremos na linha, renunciaremos às armas e rezaremos para sermos levados prisioneiros e trancafiados indefinidamente, e daremos apoio a um novo ‘processo de paz’ promovido pelos EUA no Oriente Médio!” Será que é isso mesmo que os israelenses e os americanos pensam que o Hamas fará? Vamos relembrar o cinismo do Hamas, o cinismo de todos os grupos armados islâmicos. A necessidade de produzir mártires muçulmanos é crucial para eles e Israel os está criando.
A lição que Israel pensa estar dando não é a lição que o Hamas está aprendendo. O Hamas precisa da violência para enfatizar a opressão dos palestinos e conta com Israel para providenciar isso. Basta lançar uns foguetes em Israel e Israel lhes faz esse favor.
E nem sequer uma lamentação de Tony Blair, o enviado de paz para o Oriente Médio que nunca esteve em Gaza na atual encarnação. Nem uma palavra.
Mas nós ouvimos o habitual discurso de Israel. O general Yaakov Amidror, ex-diretor da “divisão de pesquisa e avaliação” do Exército, anunciou que “nenhum país no mundo permitiria que seus cidadãos fossem feitos de alvos para foguetes sem tomar medidas vigorosas para defendê-los”. Exato.
Mas quando o Exército Republicano Irlandês (IRA) lançava foguetes na Irlanda do Norte, quando suas guerrilhas vinham da Irlanda para atacar delegacias de polícia e protestantes, o Reino Unido usou a Força Aérea para bombardear a república irlandesa? A Força Aérea britânica por acaso atacou igrejas e delegacias e matou de uma só vez 300 pessoas para ensinar à Irlanda uma lição? Não, o Reino Unido não fez isso. Não fez porque o mundo veria um ataque assim como uma ação criminosa. Não queríamos nos rebaixar ao nível do IRA.
Sim, Israel tem o direito à segurança. Mas esses banhos de sangue não lhe trarão segurança. Nem desde 1948 trouxeram algum tipo de proteção para Israel. Os israelenses bombardearam o Líbano milhares de vezes desde 1975 e isso não eliminou o terrorismo. Então o que foi o fim de semana? Os israelenses ameaçam fazer ataques por terra. O Hamas espera por outra batalha. Os políticos do Ocidente encolhem-se covardemente. E em algum lugar do Oriente numa caverna? Num porão? Numa montanha? Bem, em algum lugar, um muito conhecido homem de turbante sorri.