Fonte: http://rede.metareciclagem.org/blog/23-09-08/A%C3%A7%C3%A3o-em-rede-e-aprendizados
Um dos elementos mais marcantes pra mim durante os treze meses do projeto Metá: Fora foi a quantidade de coisas que eu aprendi pela convivência remota mas freqüente com aquelas mais de cem pessoas. Ainda mais em contraste com minhas péssimas experiências em duas diferentes faculdades particulares de São Paulo, onde eu só aprendi a reconhecer e ignorar gente imbecil. O aprendizado que eu tinha com meus pares de rede era muito mais acelerado e criativo. E não era só aquele aprendizado explícito que acontece quando a gente lê o que uma pessoa escreve sobre assuntos que ela domina. Ao acompanhar as mensagens de outras pessoas ao longo de algum tempo, eu tive a oportunidade de apre(e)nder muito conhecimento que de diversas formas estava tácito: maneiras de responder a diferentes situações e em diferentes momentos; maneiras de pesquisar e aprender coisas; maneiras de se relacionar com o outro e o grupo. Tudo isso, mais do que simplesmente adicionar mais conteúdo em um hipotético repositório mental de informações, tinha por resultado reformatar dinamicamente meus padrões de compreensão, limites de entendimento e perspectiva sobre o mundo.
Seguindo uma nomenclatura associada ao funcionamento de redes, algumas pessoas começamos a chamar esse tipo de processo de aprendizado distribuído. No sentido que a gente empregava, era um pouco mais do que o que se chama por aí de aprendizado informal: estávamos falando, de certa forma, em ambientes colaborativos que induziam, através de conversações, à emergência de múltiplos e diversos processos de aprendizado simultâneos e descentralizados. Com base nisso, começamos a rascunhar uma idéia de projeto que na época não chegou a andar muito, que chamamos MetaLearning. A base dele era criar ambientes apropriados para o aprendizado distribuído. Oo mesmo tempo, se fazia uma crítica ao que é chamado por aí de “e-learning”, que na minha opinião deveria ser chamado de e-teaching, dada a ênfase que se dá a uma perspectiva de cima para baixo, no controle de acesso e em avaliações formais. Até EAD, educação a distância, é um termo muito mais adequado nesse sentido. Mas o aprendizado distribuído não é a mera inversão da ação: não se trata de um autodidatismo online, mas de incentivar um heterodidatismo (como o Stalker chamou semana passada) que é idealmente cambiante e não tem hierarquias fixas. Sem o elemento da rede em que as pessoas ajudam umas às outras, não existe o aprendizado distribuído. Em relação ao e-learning, o aprendizado distribuído propõe um processo muito mais de descoberta e remixagem. Em relação ao EAD, o aprendizado distribuído propõe o desaparecimento da distância – só é possível com essa sensação de proximidade íntima, quase incômoda, que a rede proporciona.
Como tantas outras idéias não prioritárias daquela época, o MetaLearning foi deixado de lado. Desde então, se passaram mais de cinco anos. Vi aparecerem um monte de projetos que adotavam perspectivas parecidas ou elementos e ferramentas que traziam novas possibilidades nesse sentido. Hoje em dia, falar em blogs e wikis não é mais estrangeiro ao ambiente educacional. Alguns conhecidos têm atuado de maneira bastante interessante nessa área. Eu mesmo fui convidado algumas vezes a participar de processos que esbarravam nesse ideário, como o curso de formação em educação democrática da Escola Lumiar. Outro fato é que ferramentas colaborativas online (como o drupal que eu sempre cito e uso) têm se tornado cada vez mais flexíveis, com possibilidades interessantes de aplicar nesse tipo de ação. Ao longo do tempo, continuei usando o nome metalearning para categorizar links que tinham alguma relação com a idéia.
No ano passado, fui convidado a participar de uma conferência em Amsterdam chamada Pedagogical Faultlines. Havia uma curiosidade da organização do evento sobre paralelos possíveis entre a MetaReciclagem e as idéias de Paulo Freire. Sinceramente, até então meu contato com Paulo Freire tinha sido somente indireto, através de comentários ou artigos. Aproveitei a oportunidade e peguei alguns livros dele. Fiz uma apresentação traçando algumas analogias, e tive a oportunidade de conhecer mais alguns projetos interessantes. Guardei algumas anotações no meu blog e fiz um relato no site do descentro. Depois do evento, troquei uns emails com Jeebesh Bagchi, do Sarai, que fez uma crítica bastante relevante sobre usar Paulo Freire para entender MetaReciclagem e outros grupos. Traduzi e mandei pra lista da MetaReciclagem semana passada:
“depois de ouvir você falar algumas vezes e seguindo teu trabalho por algum tempo, eu sinto que ele é muito mais complexo conceitualmente do que aquilo que é articulado. O trabalho e o pensamento do Paulo Freire foram uma intervenção notável em seu tempo, mas também é marcado por toda a limitação de seu tempo. Ele tem um compreensão simplista de opressão e conhecimento. Ele polariza a sociedade de maneira acentuada em campos identificáveis de opressor/oprimido e também o conhecimento em submissão/libertação. A divisão mais profunda é entre ignorância e conhecimento. O ‘educador’ atravessa [“bridges”] essas separações e faz crescer a conscientização”.
Mas, vocês todos trabalham com uma condição diferente de conhecimento. Para vocês o conhecimento é um conjunto de práticas que é ativado através de vários modos de fazer e agir. Ele é libertado e pode vir de diversas fontes. Ele tem um propósito muito difuso e com muito mais pontos de entrada vai mudar as formas de engajamento. Eu também estou sempre intrigado pela natureza carnavalesca do trabalho e sua apresentação. Essa relação de relação com a tecnologia e o conhecimento ao redor dela que é não funcional, brincante [obrigado nóbrega] e ainda assim generativa precisa de consideração séria. Meu medo é que de outra forma ela se afogue como mais tipo de euforia de ‘alfabetização em massa’ e daí à exaustão e tomada pelo comércio”.
Daí que tentar enquadrar esses novos tipos de aprendizado em teorias estabelecidas do mundo da educação sempre acabe esbarrando em limites, justamente porque estamos falando de novas formas de aprender.
Um dos projetos que estava sendo apresentado na conferência era o Banco Comum de Conhecimentos, do pessoal do Platoniq. Rolou alguma discussão entre uma francesa e um italiano sobre a validade de pensar em conhecimento somente como “conteúdo” explícito. Concordo com a crítica, mas o Banco Comun era uma coisa bem mais simples: entender novas formas de aprendizado que aconteciam através da rede e criar paralelos no mundo offline. Alguns meses mais tarde, em Barcelona, eles me pediram pra ajudar a elaborar um jogo para o projeto. Mesmo se tratando de uma coisa muito menos aprofundada, fiquei feliz em ver mais gente tentando fazer essa ponte entre o aprendizado em rede e o mundo lá fora.
Em maio desse ano, estive em Manchester para o Futuresonic, que levantou um monte de questões sobre redes sociais. Depois fui a Londres a convite de Bronac Ferran para um evento chamado Systems of Learning, no Imperial College. Cheguei a rabiscar no meu caderno uma retomada do assunto do aprendizado distribuído, mas acabou que o foco da apresentação mudou para as redes de ativismo no Brasil e todo o processo de mídia tática sendo adotada em projetos de governo. Na época, cheguei a rascunhar um post em inglês sobre “distributed learning” para publicar no Ning do evento, mas não consegui terminar o texto.
Pra terminar o processo que me leva ao presente post: há algumas semanas, li um post (offline agora por algum problema no banco de dados do smartmobs) do Howard Rheingold sobre seu projeto de Social Media Classroom. Gosto do Rheingold e algumas coisas que ele escreve, mas o projeto me parece bastante limitado em o que considera aprendizado. Mas ele serviu para despertar outra vez meu interesse em caminhar com o MetaLearning, baseado na criação de ambientes online de convívio e produção colaborativa, e adicionar alguns elementos que facilitassem a transformação desse tipo de interação em aprendizado efetivo. Criei uma ConecTAZ sobre o assunto e pretendo convidar outras pessoas a participarem e talvez chegar a desenvolver alguma coisa.