Texto de Dione Manetti*
Com o mundo ao alcance de um clique, a economia capitalista dispõe de tecnologias sofisticadas para escolher as formas mais proveitosas de alocar seus recursos, de acordo com a oscilação dos mercados. “É a globalização”, diriam os mais simplistas. Proferida aos quatro cantos, sob as mais variadas retóricas, a globalização virou palavra da moda.
Diariamente ela perambula pela mídia, ornamenta discursos políticos, polemiza conversas de bar, está presente nos tratados sociológicos e nas defesas acadêmicas. No entanto, como grande parte das construções teóricas neoliberais, a idéia da globalização parece não considerar a vida concreta das pessoas. Enquanto o seu ideário é implementado na perspectiva da acumulação para os que detêm o poder econômico, os indivíduos sentem suas conseqüências na pele, na dura labuta do dia-a-dia, nas inúmeras formas de segregação.
A globalização que queremos se contrapõe frontalmente àquela, proposta pelos neoliberais. Mas, para construir esta globalização que desejamos é preciso mais do que boas idéias. São necessárias ações concretas que viabilizem oportunidades para as pessoas, como, por exemplo, o acesso às novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).
E nesse campo nosso desafio ainda é muito grande. Dados do Ibope NetRatings mostram que no último mês de abril 22,8 milhões de brasileiros usaram a internet residencial. Embora seja constatado crescimento no acesso a cada pesquisa, ainda estamos abaixo do patamar verificado nos países desenvolvidos e continuamos condicionados ao uso de aplicativos de um único monopólio, o que aumenta sensivelmente o custo de equipamentos. Então, não é difícil imaginar que a diferença no acesso esteja relacionada ao bolso do (a) trabalhador (a) brasileiro (a).
Para ajudar a reverter esse quadro, o Governo Federal tem lançado mão de políticas públicas de estímulo ao uso de computadores com sistema operacional livre. Uma estratégia que tem se mostrado eficaz, no âmbito do governo, é a parceria da economia solidária com o movimento pró-software livre. Além de combater a exclusão digital, essa parceria gera trabalho, renda e contribui para o desenvolvimento local.
De um lado, o uso de tecnologias livres amplia o fluxo de informação entre as redes colaborativas dos empreendimentos econômicos solidários e, de outro, os profissionais do software livre fortalecem sua organização a partir da autogestão e passam a fornecer serviços e suporte em tecnologia para grupos da economia solidária.
Além de viabilizar a oferta de computadores a preço mais acessível, o software livre possibilita que as pessoas compartilhem conhecimentos. Diferente do sistema proprietário, que utiliza códigos fechados e secretos, no software livre as pessoas podem melhorar os programas disponíveis e depois oferecê-los a todos por meio da internet. “Software livre” se refere à liberdade dos usuários executarem, copiarem, distribuírem, estudarem, modificarem e aperfeiçoarem o software. “É uma questão de liberdade, não de preço”, como fazem questão de destacar os integrantes desse movimento.
Acostumados a utilizar sistemas operacionais proprietários, como o Windows, os usuários desavisados costumam oferecer resistência ao software livre. É o que os ativistas das tecnologias livres chamam de “apego à zona de conforto”. Ora, nada mais natural que encontremos alguma dificuldade inicial. É exatamente o que acontece quando trocamos um modelo de televisão ou de telefone celular ao qual estamos acostumados, por outro, que desconhecemos.
Apesar disso, quando questionamos os “efeitos colaterais” de fazer a opção pelo mais “fácil” e ousamos nos aventurar pelo mundo do software livre, percebemos que as vantagens desse sistema vão além da sua filosofia. O acesso a internet através de navegadores livres é mais rápido e seguro. Além disso, atualmente, os aplicativos livres (como OpenOffice.org) reconhecem e abrem, sem problemas, os arquivos com formatos proprietários de editores de texto e planilhas dos aplicativos proprietários.
Infelizmente, empresas de softwares proprietários não têm a mesma preocupação em facilitar a convergência entre os dois modelos. O motivo, sabemos de cor: ao longo dos anos, o capitalismo tem se valido das formas mais traiçoeiras de cerceamento intelectual para fortalecer a lógica dos monopólios. Conectadas on-line 24 horas, as grandes empresas aprenderam habilmente a trabalhar juntas quando o negócio é obter vantagens para acumular riquezas.
Mas globalizar só o lucro não vale. Para a economia solidária e o software livre, a idéia de um mundo ao alcance das mãos é calcada na troca, na valorização do ser humano e na colaboração. A integração orgânica desses movimentos é oportuna e estratégica. Afinal, ambos são regidos pelo princípio do trabalho coletivo e buscam o empoderamento do indivíduo na construção de uma sociedade mais democrática, justa e igualitária. Nada tão coerente quanto trilharmos esse caminho juntos.
* Dione Manetti é diretor de Fomento da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (Senaes/MTE) e usuário de software livre.