Fonte: Le Monde Diplomatique (www.diplo.uol.com.br)
No sul da Espanha, uma companhia que não visa lucro, pratica o comércio justo e paga salários iguais a todos os sócios e funcionários atua há vinte anos — e está em perfeita saúde econômica. A ilha que descobriremos, por meio de um de seus povoados, é a da Economia Alternativa e Solidária. Um dos tesouros guardados a sete chaves (…) é um pequeno povoado chamado Ideas. O nome é referência às visões de mundo – rebeldes, insubmissas, transformadoras – que se cultivam por lá.
Idéias nobres, que se encontram no pólo oposto da suposta nobreza do sangue azul. (Alíás, nunca entendi como se pode associar classismo e elitismo à cor-símbolo do mar, do alto vôo sobre horizontes esperançosos).
Venham comigo a um rincão de Andaluzia, ao extremo sul da Espanha, mais próximo da África do que do coração da velha Europa, para conhecer uma organização de Economia Alternativa e Solídária, denominada Ideas. O que o ela tem de especial? Comecemos pelo que diz sua página web:
“Ideas (Iniciativas de Economia Alternativa e Solídária) é uma Organização de Comércio Justo, cuja missão consiste em transformar o plano econômico e social, com o fim de construir um mundo mais justo e sustentável, desenvolvendo iniciativas de Comércio Justo, Economia Solidária e Consumo Responsável, tanto no âmbito local quanto internacional. Todas as ações da organização fundamentam-se em princípios de igualdade, participação e solidariedade”.
Belas palavras… Mas o papel é paciente, e entre a missão declarada de tantas organizações e a prática há uma pequena fratura, ou um abismo. O que existe de fato de alternativo e transformador na organização? Vejamos. Quando os “donos” renunciam a sua propriedade
Quantas empresas existem no mundo, nas quais a gestão econômica não obedece a lógica de maximizar lucros? São denominadas empresas de Economia Solídária. Os lucros eventualmente obtidos não são repartidos entre acionistas e sócios — mas utilizados para ampliar as ações em curso. Os “donos” renunciam também à propriedade. Ao deixarem a empresa, oferecem ao coletivo sua “parte” no capital. Existem empresas assim, e não são poucas. Ideas é uma de muitas…
Quantas empresas dedicam-se a atividades que vão contra a lógica de mercado, deixando de se apoiar na competitividade, na lei do mais forte ou na lógica de oferta e procura do comércio tradicional? Essas também existem. E crescem cada vez mais, seja pelo “esgotamento do modelo globalizador excludente”, por suposta responsabilidade social ou pelo verdadeiro compromisso. Ideas é uma dessas.
Em quantas empresas comerciais as compras e vendas são baseadas em outras lógicas, que não as do mercado? Recusa-se o poder do comprador sobre o provedor, mais débil. Rompe-se a lógica de desigualdade e se desenvolvem, em vez dela, relações de cooperação e práticas de comércio justo, a serviço do empoderamento dos pequenos produtores marginalizados. São as Organizações de Comércio Justo. Ideas, mais uma vez, está neste grupo, credenciada pela Associação Internacional de Comércio Justo (IFAT).
Quantas empresas comerciais investem energia e recursos na reivindicação, campanhas, sensibilização, incidência política e educação de consumidores, jovens e cidadãos em geral? Neste caso, são poucas – Ideas solitárias. Almoxarife e diretor: mesmo empenho, igual salário
Em quantas empresas pratica-se a horizontalidade salarial? Os trabalhadores com formação acadêmica ou experiência em setores valorizados no mercado recebem salário igual ao daqueles que não tiveram a mesma sorte. Acredita-se que o encarregado do armazém emprega o mesmo esforço e empenho de um diretor. Ainda não há muitas empresas assim, mas posso assegurar que Ideas é uma delas.
Quantas empresas conhecemos onde o número de mulheres em cargos diretivos é igual ou proporcional ao número de homens? Em Ideas, nunca houve um debate sobre a denominada “questão de gênero”: há a prática natural diária de respeito e igualdade.
E, por fim, em quantas empresas a revolução se faz de segunda-feira a sábado? Os sócios e trabalhadores expressam o protesto contra a globalização econômica, a guerra e tantas misérias mais. Possuem militância construtiva no tecido social, contribuindo, com ativistas e consumidores, na formulação de alternativas sociais, econômicas e ecológicas. Ideas que, de outra forma, estariam em perigo de extinção.
Em perigo de extinção? Depois de vinte anos, estas boas e nobres Ideas — idéias rebeldes, insubmissas e transformadoras — sobrevivem, resistem e constróem. Gozam de muito boa saúde…
Tradução: Carolina Gutierrez (carol@diplo.org.br) Carola Reintjes é colunista do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique.