Fonte: www.brasildefato.com.br
Organizações e movimentos sociais promoveram Dia de Ação Global por todo o planeta
“A minha avaliação é de que foi muito positivo fazer o Fórum descentralizado neste ano. Nos fóruns centralizados, mundiais e nacionais, nem todo mundo pode participar. Muito mais gente se interessou nesse processo”, afirma, satisfeito, Chico Whitaker, integrante do conselho internacional do Fórum Social Mundial. Ele destaca a amplitude comunicacional possibilitada pela divisão das manifestações entre as cidades do mundo, o que conferiu, na sua visão, uma maior visibilidade para as ações. Num balanço geral, Whitaker acredita que este foi um ano de muito aprendizado.
Muitos aprenderam que em Belém (PA), daqui a um ano, provavelmente o tempo estará chuvoso, como foi no Dia de Ação Global, 26 de janeiro deste ano, mas não o bastante para aplacar o ânimos das mais de seis mil pessoas que, por meio de um grande cortejo político-cultural, encerraram os cinco dias de mais de 40 atividades na capital do Pará. As oficinas, palestras, plenárias e vídeos, entre outras ações, ocorreram também em mais 47 cidades brasileiras, além das manifestações por mais de 80 países do globo terrestre. A descentralização serviu para levar o FSM a diferentes regiões e para dar oportunidade a participantes que teriam dificuldade de cobrir os custos de deslocamento até locais mais distantes.
Em mais uma edição do FSM, a oitava, destacaram-se os cerca de dez mil cariocas que circularam pelas sete tendas temáticas espalhadas no parque do Flamengo – cada qual com um tema especial como a economia solidária, artes cênicas, audiovisual e a tenda das idéias. Estiveram presenteso dramaturgo Augusto Boal, o teólogo Leonardo Boff e o músico Tico Santa Cruz.
A mobilização em São Paulo foi marcada por atos em diferentes pontos da cidade, com destaque para a encenação anticapitalista protagonizada por integrantes de movimentos sociais no Centro. Um diferencial em relação às edições anteriores foi a intensa troca de experiências entre as diversas cidades participantes ao redor do mundo. O participante do Fórum em São Paulo, por exemplo, poderia se inteirar sobre a situação da Palestina por meio de uma videoconferência realizada por Jamal Juma, coordenador do movimento Stop the Wall. Ele falou sobre o ativismo na área ocupada e os últimos acontecimentos na região. Palestinos, judeus, brasileiros, africanos, coreanos; por todo o mundo ressoavam suas vozes regionais e ao mesmo tempo globais sobre as necessidades dos povos do planeta.
Contra-hegemonia em rede
“Creio que o principal êxito do FSM é aglutinar intelectuais e dirigentes de movimentos sociais de todo o mundo, para refletir sobre os limites e conseqüências do modelo neoliberal e imperial”, observa João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele pondera, no entanto, que vivemos em um período histórico no qual há um amplo setor da esquerda, sobretudo a partidária, que aderiu a certas teses de neoliberalismo, além “dos que se calaram”.
Para o dirigente da Via Campesina, foi muito importante construir um espaço de contra-hegemonia neoliberal e dar argumentos para que os movimentos sociais pudessem sair da confusão ideológica. Argumentos esses, segundo Chico Whitaker, oriundos de um protagonismo “necessariamente horizontal”. “A sociedade civil não é um ator centralizável, verticalizável, é um ator político que está intervindo”, salienta.
O integrante do conselho internacional do Fórum acredita na força política transformadora dos partidos e, mais ainda, na da sociedade civil organizada. “Um partido define um objetivo e tem um projeto de conquistar o poder em uma estrutura política”, pontua Chico. O integrante do partido precisa ter disciplina e deve ser leal à organização, além de “compor uma estrutura piramidal”. Ele acredita que os partidos, por meio dos programas a ser realizados no governo; e a sociedade, através da imensidão de identidades, precisam coexistir, se complementar.
Apesar da contribuição das antigas edições do Fórum, sua realização em determinada cidade, por si só, não tem o poder de mudar radicalmente a realidade dos países. Isso é o que pensa Whitaker, que acredita, porém, na influência desse evento na construção da emancipação política de um povo, ao menos de forma indireta, nos processos eleitorais. “As idéias surgidas e disseminadas nos fóruns tem ajudado a eleger muita gente comprometida com a mudança social”, lembra Whitaker.
Belém no horizonte
Depois de Porto Alegre ter sido a sede em 2001, 2002 e 2003, o encontro dos movimentos sociais migrou para Mumbai, na Índia em 2004), e retornou à capital gaúcha em 2005. No ano seguinte, o Fórum teve um arranjo diferente e dividiu-se em três: Bamako, em Mali, Caracas, na Venezuela, e Karachi, no Paquistão. Já o de 2007 foi realizado em Nairóbi, no Quênia.
Em 2009, os lutadores sociais estarão em Belém (PA), que, oito anos depois do primeiro Fórum, apresentará um novo contexto de enfrentamento dos movimentos sociais. “Porto Alegre era ainda um ambiente politico onde o neoliberalismo era hegemônico até no mundo intelectual. Foi o grito de que outro mundo era possível, denunciando o neoliberalismo”, lembra Stedile. “Estamos em um ambiente político melhor”, completa. Reflexo disso, para ele, são as vitórias eleitorais de presidentes de alguns países do sul e da América Latina como protesto ao neoliberalismo. “Portanto já estamos saindo da hegemonia total do neoliberalismo”, pontua.
O dirigente ressalta que uma nova agenda dos movimentos sociais a ser debatida ganhou mais espaço e que ela deve se articular para construir um projeto popular que seja anti-neoliberal e anti-imperialista. É a partir dessa resistência contra-hegemônica que é possível pensar em respirar ares menos poluídos.
Uma resistência que também precisa lutar pelo fim das agressões ao meio-ambiente. “O contexto de Belém será propício para pautarmos o tema do meio ambiente e denunciarmos as agressões que o modelo consumista e do super lucro capitalista, que estão colocando em risco a vida no planeta”, enfatiza Stedile.
O tema de mudança climática e agressões ao meio-ambiente estão diretamente envolvidos com o modelo de desenvolvimento atual. Um novo modelo econômico, não-consumista, baseado na qualidade de vida e na interação de toda biodiversidade existente no planeta é o que propõe o dirigente da Via Campesina. Para ele, é fundamental denunciar que o capitalismo é acima de tudo um modelo predador e que coloca em risco a vida das pessoas, e animais, e da biodiversidade em função do lucro.