Fonte: sgeral@mst.org.br
As editorias, refletindo a natural curiosidade do leitor, estão ávidas neste final de ano por um balanço retrospectivo da economia brasileira, de preferência descomplicado e sem muito “economês”. As perguntas implícitas seriam mais ou menos estas: como estamos (quem?) indo na economia e como se explica a situação presente. A perspectiva para um futuro próximo (2008) ficaria para um outro artigo, embora algo já se possa deduzir da análise da conjuntura atual.
Com relação à primeira pergunta pode-se dizer que caminhamos melhor no rumo do crescimento da produção e do emprego em 2007, agora que metas de Produto Interno Bruto (PIB) são perseguidas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – enquanto que no primeiro governo Lula somente havia a meta de estabilização monetária do Banco Central (meta de inflação), como uma espécie de “samba de uma nota só” da política macroeconômica. Mas aqui é preciso fazer um pequeno esclarecimento: o emprego formal vem crescendo fortemente desde 2001, com taxas de incremento substancialmente mais altas que as do PIB.
Há um processo de formalização da força de trabalho (que já dura sete anos), em geral de baixos salários e precárias condições de trabalho (até 3 salários mínimos), que este ano incrementará mais de 2 milhões de novos segurados ao INSS. Mas este é um resultado até certo ponto inesperado do PAC, que também não contempla metas de emprego, seja formal, seja informal. Este assunto (metas de emprego) também não entrou na agenda do Fórum Nacional da Previdência, encerrado em outubro de 2007. Provavelmente o crescimento econômico continuado sustentará este movimento, como o fez em 2007 (o PIB deverá crescer a 5% ao ano e o emprego formal a taxa ligeiramente superior).
Tudo indica que há outras causalidades, que não cabem aqui tratar, que de certa forma explicam este ciclo virtuoso de recuperação do emprego formal. O lado não tão virtuoso desse ciclo são as condições de trabalho dos novos segurados, que ao que tudo indica padecem de processos de super-exploração, medidas pelas condições de morbidade que se observam nas perícias do INSS.
Um outro lado importante da análise retrospectiva é o chamado setor externo da economia, cuja síntese se expressa pela chamada “conta corrente” com o exterior. Aqui, os resultados de 2007 significam clara sinalização de luz amarela. Deve cair o superávit comercial em 3 bilhões de dólares a menos daquilo que foi no ano passado (em números redondos, US$ 38 bilhões em 2007 contra US$ 41 bilhões em 2006), enquanto que as remessas para o exterior de juros, lucros, dividendos, assistência técnica, “outros serviços”, etc, devem se elevar. Isto pode significar que em muito pouco tempo a nossa conta corrente com o exterior passaria à situação deficitária. Esta situação foi revertida em 2003, depois do país acumular pesadíssimos passivos externos durante os governos FHC, principalmente no primeiro governo, quando o regime cambial favorecia o déficit externo.
O Brasil reverteu a situação externa, mas o fez sustentado basicamente pela expansão das exportações de bens primários. Deixou de depender de dívida externa para fechar seu balanço de pagamentos e hoje se jacta de financiar a dívida externa norte-americana, aplicando suas caras reservas (financiadas por títulos a juros da dívida interna) em títulos baratos do Tesouro norte-americano, que apresentaram juros reais negativos em 2007 se considerarmos que a desvalorização do dólar face as demais moedas-fortes superou em muito a taxa básica de juros norte americana (ao redor de 4% ao ano).
Outro campo em que os “equilíbrios precários” se alteraram é na economia fiscal e desta para sua relação com a dívida interna. A Emenda Constitucional do Fundo Social de Emergência, que data de 1994 (quando o presidente era Itamar Franco e o seu ministro da Economia era FHC), sendo sucessivamente prorrogada com outros nomes (primeiro Fundos de Estabilização Fiscal e por último Desvinculação de Receitas da União – DRU) promovia e ainda promove a retirada de 20% de todos os tributos vinculados a alguma aplicação pré-estabelecida, devolvendo-os ao caixa geral do Tesouro para “livre” aplicação (leia-se recursos para gerar superávit-primário, que pagam juros da dívida interna).
Posteriormente, por pressão das circunstâncias e ação concertada pelo então ministro da Saúde Adib Jatene, cria-se o IPMF (Imposto Provisório Sobre a Movimentação Financeira), posteriormente convertido em Contribuição – a CPMF – e prorrogada sucessivamente até 31 de dezembro de 2007, sendo destinada originalmente à área da Seguridade Social.
Este rememorar dos arranjos tributários recentes é para lembrar o leitor de que neles havia um certo equilíbrio precário. Para usar uma expressão antiga, completamente apropriada, era um acordo provisório de economia política. De um lado a DRU, extraindo recursos da área social para o superávit primário. De outro, a CPMF, devolvendo parte desses recursos (pois ela própria também é taxada pela DRU) para o Orçamento da Seguridade Social.
O mentor desse equilíbrio precário – o ex-presidente Fernando Henrique – resolveu liderar um processo do tipo “puxar a escada”: derrotou a CPMF no Senado. Agora, o governo procura no escuro os recursos da Seguridade Social para 2008 e, de tesoura em punho, prenuncia cortes de recursos em todas as áreas, exceto uma. Os recursos do superávit primário dependem da aprovação da Emenda da DRU, que também vence no último dia de 2007. Parecem ser os únicos sagrados, para os a quais não há divergência governo-oposição e praticamente nenhuma análise isenta da grande mídia.
Finalmente, os recursos para investimento em energia, que em quase nada dependem do orçamento fiscal e da Seguridade, devem continuar bancados pela Petrobras, BNDES, empresas do setor elétrico e parcerias público-privadas recém vitoriosas no leilão das hidroelétrica do Rio Madeira.
Em síntese, o ano de 2007 mostra um crescimento do PIB e do emprego formal (no entorno dos 5% ao ano), mas revela sinais preocupantes de precarização das condições de trabalho. Mostra ainda um setor externo com sinal amarelo, que poderá ir a vermelho se houver recessão nos Estados Unidos. No setor doméstico, a manobra da extinção da CPMF e a manutenção da DRU sinalizam um péssimo estilo da nossa elite para resolver os seus dilemas: privatizam-se benefícios e socializam-se perdas.
Guilherme Costa Delgado é doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz. Tecnico do IPEA