Texto publicado no site do MST
A corrida pelo etanol não apresenta apenas um risco ao meio ambiente. A cana-de-açúcar traz consigo miséria e condições de trabalho aviltantes para um contingente ainda grande de trabalhadores no campo – os cortadores de cana. A pesquisadora Maria Aparecida de Moraes Silva, uma das maiores autoridades brasileira no estudo do impacto da monocultura da cana na exploração da mão-de-obra destaca que de 2004 a 2007 ocorreram 21 mortes, supostamente por excesso de esforço durante o corte da cana. A pesquisadora aponta ainda que a vida útil de um cortador de cana é inferior a 15 anos, nível abaixo dos negros em alguns períodos da escravidão.
Esse é o preço a ser pago para re-inserir o país no competitivo mercado internacional dos commodities. Mas o preço pode ser ainda maior – o do trabalho escravo. Nas últimas semanas ganhou espaço na mídia nacional algo que estava oculto. Ironicamente quem trouxe à tona a repercussão em torno da maior libertação de trabalhadores em condições análogas à escravidão no país foi o agronegócio.
No final de junho, 1.106 trabalhadores da cana no Pará, no município de Ulianópolis, foram resgatados pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho em condições análogas ao trabalho escravo. As palavras de um trabalhador resumem as condições de trabalho: “Tratavam a gente igual a porco”.
Destaque-se que a empresa autuada, a Pará Pastoril e Agrícola S.A. (Pagrisa), vendia álcool a BR Distribuidora, empresa subsidiária da Petrobras, que anunciou a suspensão da compra após a denúncia de trabalho escravo. Foi a interrupção do lucro que deixou os fazendeiros furiosos.
O agronegócio, incomodado com o que considera excessos do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e abuso de autoridade, acionou o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Foi a partir desse momento que a maior operação de libertação de trabalhadores em situação de escravidão ganhou repercussão nacional.
O caráter incomodo da ação da fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho foi denunciado por frei Xavier Plasat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), para quem “enquanto o presidente Lula percorre continentes oferecendo contratos de fornecimento do novo maná energético, a bancada ruralista quer nos mostrar o setor sucro-alcooleiro como a vítima expiatória de uma fúria anti-brasileira conduzida por elementos irresponsáveis, descontrolados e até criminosos, do Ministério do Trabalho e seus aliados”.
Entretanto para alguns, tudo vai bem. É o caso da surpreendente manifestação de satisfação com a conjuntura nacional demonstrada pelo megaempresário Antonio Ermírio de Moraes que em entrevista à imprensa afirmou “não há o que reclamar”. O presidente do conselho de administração do Grupo Votorantim, destaca que vai tudo muito bem no país.
Com esse entusiasmo todo, Antonio Ermírio de Moraes certamente não participa do movimento ‘cansei’. Ele até poderia fundar o movimento ‘Nada a reclamar’!
O otimismo do empresário e o seu “nada do que reclamar” contrasta com as jornadas de luta daqueles que têm o que reclamar. O MST passou a semana em atos por todo o país pedindo agilidade à morosa reforma agrária. No mundo urbano, protestaram também os sem teto no Dia Nacional da Reforma Urbana.
Texto de Cesar Sanson – Pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores e doutorando de Ciências Sociais na UFPR. Esta análise foi feita em um trabalho conjunto com a equipe do Instituto Humanistas Unisinos (IHU).
Fonte: sgeral@mst.org.br