Fonte: www.ibase.br

Texto de Josinaldo Aleixo

Por ocasião dos Jogos Pan-americanos pensei muito no Darcy Ribeiro. Confesso que não curtia muito a pessoa do velho senador, mas adorava algumas de suas idéias. Com aquele jeito maluco, certa feita falava sobre o desfile das escolas de samba, dizia que o desfile era uma grande ópera popular e asseverava: “Imagina esse povo comendo três vezes ao dia, imagina esse povo estudando o dia todo, aprendendo arte, ouvindo Villa Lobos…O que precisa a elite é sair da frente pra que esse povão cresça…”.

Compartilho inteiramente das críticas dos movimentos sociais a respeito dos jogos, mas acho muito bacana terem sido os(as) filhos(as) dos(as) pobres – que não tiveram bolsa para nadar nos Estados Unidos nem estudaram nas boas escolas com piscina olímpica – que fizeram bonito lá. Porém, como diz o ditado popular, nestes jogos o “feio faz a cama pro bonito se deitar” e os(as) filhos(as) do povão suam para as redes de comunicação, as indústrias esportivas e o merchandising lucrarem milhões de dólares.

Por que estou falando isso? Quero falar de outro Pan-americano, um grande acontecimento, também protagonizado pelos(as) mais pobres. Um Pan onde só lucram pobres, onde só brilha a solidariedade e, portanto, totalmente ignorado pela grande mídia mamadora nas tetas dos merchandising e do marketing esportivo: a Feira de Santa Maria.

Em julho foi realizada a 3ª Feira de Economia Solidária do Mercosul que reuniu cerca de 700 empreendedores(as), procedentes de 331 municípios de 20 estados brasileiros, além de 15 redes de economia solidária, representantes dos países-membros do Mercosul e da América Latina. Paralelamente, foi realizada a 14ª Feira do Cooperativismo do Rio Grande do Sul, a 6ª Feira Nacional de Economia Solidária e a 7ª Mostra da Biodiversidade e Feira da Agricultura Familiar.

A cada ano a chamada Feira de Santa Maria aumenta a participação de empreendimentos econômicos solidários, marcando um aspecto interessante da caminhada da economia solidária que é seu tamanho, seu volume, sua pujança.

Uma coisa interessante que nos leva a pensar na Feira de Santa Maria é a tão louvada diversidade, riqueza e capilaridade da economia solidária. Ali testemunhamos empreendimentos dos mais diversos, organizando segmentos diferentes desse imenso país e enfrentando os desafios que nem o Estado nem a “iniciativa privada” enfrentam. Com efeito, qual empresa privada enfrentaria o desafio de recuperar a Usina Catende em Pernambuco mantendo agricultores(as) na terra, sem demitir ninguém? Ou quem daria força a grupos que se organizam para fazer trocas?

O que me chama atenção também é que a Feira de Santa Maria é um evento maciço. A economia solidária não é mais algo residual, pequeno. É uma economia de pobres para toda a sociedade. O volume de serviços e bens gerados e transacionados não é trivial, configurando um modo de fazer economia que é diferente da neoliberal tão adorada pelos faraós da avenida Paulista ou do Planalto. Está nos interstícios do sistema, mas nem por isso a economia solidária não é importante.

Representa uma estratégia cada vez mais forte daqueles segmentos populares que se compreendem como classe. Sendo a Feira de Santa Maria um mega-evento, mostra que a economia solidária caminha para a ampliação de sua base social, o que nos propõe um dilema – dilema que já foi fruto de reflexão aqui.

O dilema que nos perpassava é sobre a possibilidade de massificação de experiências que são representativas e exitosas no âmbito dos pequenos grupos, ou seja, como passar do “micro” para o “macro” sem perder a qualidade de intervenção? Será que muito da economia solidária está fadado a ser “experiência” sem possibilidade de rebatimento ou ampliação? Claro que não, e a Feira de Santa Maria nos mostra isso.

Fazer movimento social é fazer celebração, nos dizem nossos(as) companheiros(as) do MST. A Feira de Santa Maria é lugar de celebração da massificação da vida pela via do associativismo para construção de uma nova economia. Mas a celebração deste Pan da solidariedade não é a celebração do ufanismo de arquibancada. Na Feira de Santa Maria nós nos sentimos mesmo brasileiros(as) e olha que o patrocínio da torcida solidária fica alguns milhões aquém daquele que teve o Pan do Rio.

Dedico este artigo aos/às companheiros/as do Pacs, que há anos vêm levantando – quase inutilmente – o debate sobre os Jogos Pan-americanos.

Josinaldo Aleixo é Sociólogo, consultor, militante da economia solidária