Fonte: gerente@forumsocialmundial.org.br

Em Atlanta, de 27 de junho a 1º de julho de 2007, milhares de norte-americanos(as) se juntaram e participaram ativamente do primeiro grande evento do Fórum Social Mundial (FSM) em seu território. Uniram-se para afirmar que “outro mundo é possível” e que “outro Estados Unidos da América (EUA) é necessário”. Em pleno centro de Atlanta, nas diferentes atividades do Fórum Social, sentia-se no ar a energia contagiante que une os diversos rostos e as diversas vozes de uma cidadania engajada, dos grassrots norte-americanos – movimentos sociais profundamente enraizados no meio popular. Eles, sem dúvida, fixaram um importante marco lá, onde parecia impossível, no país potência hegemônica imperial. Os EUA, com todo o seu poder político-militar de sustentação de um desenvolvimento global predatório e excludente, artífices da (des)ordem neoliberal a serviço das grandes corporações econômico-financeiras, promotores da lógica da guerra e do terror, não podem barrar a sua própria cidadania.

Participar do Fórum Social dos EUA (USSF) foi uma experiência única. Foi como descobrir outro país, ou melhor, outro povo. O encontro não foi nada parecido com aqueles eventos que congregam a elite da sociedade civil norte-americana das grandes entidades de Nova Iorque, Washington, Los Angeles ou São Francisco. Elas foram incapazes de organizar o FS nos EUA. Ele surge da base da pirâmide social, dos movimentos negros e indígenas, dos movimentos por justiça ambiental, dos aguerridos grupos de migrantes legais e clandestinos, do renovado movimento de trabalhadores por empregos com justiça, das famílias de pobres e sua campanha nacional por direitos e inclusão. Era gente com problemas e propostas que lembram os(as) excluídos(as) de todos os povos do planeta. A determinação desses grupos é notável. Mesmo com poucos recursos – pois os apoios conseguidos com os tradicionais financiadores foram pequenos –, eles demonstraram muita vontade e capacidade para organizar um FS impactante pela ampla e diversa agenda de temas postos em debate.

O processo de preparação do Fórum Social em Atlanta foi longo. Em maio de 2003, com a realização da reunião do Conselho Internacional do FSM em Miami, a idéia encontrou eco nos grupos que assumiram a tarefa de realizar um FS ancorado nos grassroots. Unir as forças de uma grande diversidade de movimentos para garantir um fórum como espaço aberto é um feito notável. Muitos encontros e muitas negociações foram necessárias. A participação destacada de grupos organizados é fruto dos acordos e da adesão recebida. O próprio programa, com ampla diversidade de questões, em sua maior parte de oficinas auto-organizadas, revela a radicalidade da adesão ao espírito do FSM, expresso em sua Carta de Princípios. Mesmo com pequena participação de militantes de outros países, era notável a quantidade de gente falando espanhol, por si revelador das múltiplas novas facetas e da nova cultura política que se desenvolve nos EUA.

A escolha de Atlanta também revela um compromisso dos movimentos que estão na base do USSF. Atlanta é a terra de Martin Luther King, líder negro da luta por direitos civis. Para os participantes do fórum, Martin Luther King é uma inspiração. Além disso, Atlanta, capital da Georgia, no Sul dos EUA, lembra a nova pobreza em meio à riqueza excludente. Próxima a Nova Orleans e da devastação provocada pelo Katrina, Atlanta abriga alguns dos grupos pobres de lá expulsos pela indiferença dos governos diante de seus dramas. Claro, Atlanta também é o berço da Coca-Cola, o refrigerante símbolo de uma globalização e de um estilo de vida combatidos pelo FSM. Aliás, além da passeata de abertura no dia 27, sob forte sol, com uns 5 a 6 mil participantes, uma outra foi organizada, no dia 30 de junho, até o QG da Coca-Cola. Mesmo pequena, a forte vigilância policial revela o temor do establishment diante da ousadia dos militantes da Campanha dos Pobres por Direitos Humanos e Econômicos (PPEHRC).

Não é possível entrar na riqueza dos debates havidos e na variedade de reuniões e articulações que, como participante, tive a oportunidade de me envolver. Penso que o mais importante é destacar o profundo significado político deste FS nos EUA. Ele é um marco para toda a emergente cidadania planetária que se congrega no processo do FSM. Dá ânimo ver um processo de mudança em curso na própria cultura política norte-americana, de bases populares, com inspiração, iniciativa e coragem. Sem dúvida, outro mundo é possível, e ele passa indiscutivelmente pelos EUA, onde as sementes estão bem plantadas.

Por Cândido Grzybowski – Sociólogo, diretor do Ibase