Fonte: Secretaria Nacional de Economia Solidária
Por Valmor Schiochet
O objetivo deste texto é contribuir para o envolvimento do Ministério do Trabalho e Emprego e das organizações, entidades e movimentos da sociedade civil envolvidos nas políticas de emprego, trabalho e economia solidária na construção da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar que se realizará em Fortaleza/CE, nos dias 3 a 6 de julho/2007.
Dentre os avanços do Governo LULA a política de Segurança Alimentar, em especial, a estratégia governamental “FOME ZERO” foi a mais importante para os setores populares da sociedade brasileira. As conquistas obtidas por meio desta política colocam novos desafios para consolidar a Segurança Alimentar e Nutricional como parte central das estratégias nacionais de desenvolvimento. Neste contexto há uma expectativa crescente a respeito das contribuições que as políticas de emprego, trabalho e economia solidária (articuladas as demais) possam dar para a consolidação da “Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional”. O Documento Base da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar é um instrumento importante para orientar o debate sobre estes temas no processo de mobilização da Conferência. Muitas propostas relativas as políticas de emprego, trabalho e economia solidária já estão incorporadas e já refletem o diálogo e integração intersetorial das experiências em cursos (no âmbito das ações governamentais, bem como na articulação das organizações e movimentos da sociedade civil). O Documento Base está organizado em três eixos temáticos: 1. Segurança alimentar e Nutricional nas estratégias nacionais de desenvolvimento; 2. Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; e, 3. Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Cada um dos eixos esta dividido em contextualização (análise) e proposições. 1 A inclusão das políticas de emprego, trabalho e economia solidária no debate destes eixos temáticos pode ser identificada na referência a um conjunto de temas tais como: trabalho e renda, relações de trabalho, relações de trabalho cooperativas, economia solidária, qualificação profissional, alimentação do trabalhador, crédito, finanças solidárias, comércio justo e solidário, combate ao trabalho escravo. Eixo I – Segurança Alimentar e Nutricional nas estratégias nacionais de desenvolvimento. Na contextualização deste tema o documento constata que a promoção da segurança alimentar e nutricional questiona o modelo de desenvolvimento (e as políticas públicas) nos seus componentes que geram pobreza, concentração de riqueza e degradação do ambiente. Neste sentido constata que a “política econômica ainda vigente restringe a ampliação de atividades econômicas geradoras de emprego de qualidade e de oportunidades de trabalho digno” (3). Ao mesmo tempo reconhece que nos últimos quatro anos iniciou-se processo de redução da desigualdade social “numa estratégia assentada na recuperação das rendas do trabalho e pela promoção de pequenos e médios empreendimentos urbanos e rurais” (4). A organização da produção e do trabalho é considerada central nas proposições apresentadas para incorporar a Segurança Alimentar e Nutricional na estratégia nacional de desenvolvimento. A Segurança Alimentar e Nutricional pressupõe a ampliação das possibilidades de obtenção de renda pelo acesso à terra e ao trabalho digno e a promoção de formas eqüitativas, sustentáveis e justas de produção e distribuições de alimentos “(26)”. Neste sentido o Documento propõe a priorização das “atividades geradoras de trabalho digno e que promovam a distribuição da riqueza na medida em que ela é produzida, inclusive e especialmente, nas atividades relativas a produção, distribuição e consumo de alimentos” e “fomento das diversas relações de trabalho com garantia dos padrões socialmente acordados e baseados em princípios constitucionais.” (29)
Eixo II – Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Nesta questão o Documento faz um balanço das ações, programas e políticas governamentais considerando a atuação do CONSEA e os avanços identificados no Encontro Nacional de Segurança Alimentar realizado em 2006. Neste balanço o texto apenas faz referência aos avanços na ampliação de recursos e das modalidades de apoio à agricultura familiar e estímulo aos modelos sustentáveis, ecológicos, cooperativos e solidários de produção e acesso aos mercados (35). Por sua vez, nas proposições apresentadas (organizadas em seis diretrizes) a questão da política de trabalho, emprego e economia solidária se evidencia como estratégica para a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Para a promoção do acesso universal à alimentação adequada e saudável (Diretriz 1), a síntese das proposições é apresentada no item (42) ao propor a priorização da “geração de trabalho digno e renda, por meio do fomento das diversas relações de trabalho, inclusive as várias modalidades de associativismo e cooperativismo. Tornar prioritárias, também, as iniciativas democráticas e de autogestão da produção e da comercialização baseadas nos princípios da economia solidária. A geração de renda e emprego deve assegurar condições adequadas de trabalho, remuneração básica compatível com padrões dignos de sobrevivência, proteção dos trabalhadores, seguridade…”. Outras proposições relacionam a geração de oportunidades de trabalho e renda como orientação para as políticas econômicas (41), a expansão dos programas de economia solidária, geração de renda e qualificação profissional pra os beneficiários do programa Bolsa Família (45). Trata também da alimentação escolar proveniente dos sistemas produtivos da agricultura familiar (47) e da ampliação e incorporação no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) de parâmetros baseados nos princípios de uma alimentação saudável e adequada (50 e 51). Para a Diretriz 2 (Estruturar sistemas de produção, extração, processamento e distribuição de alimentos eqüitativos, sustentáveis e de base agroecológica) o Documento propõe: regulamentar e efetivar o cumprimento integral da norma constitucional que prevê a função social da propriedade nas dimensões ambiental, econômica e da legalidade das relações de trabalho (53); expropriação das áreas onde ocorre trabalho escravo (54); promoção da agroecologia por meio do crédito, fomento a fundos rotativos solidários (57); programas para cadeias produtivas (63); redes de produção e comercialização (64); articulação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e o Programa de Comércio Justo e Solidário (67). O tema das redes de produção de comercialização e das compras governamentais aparece em várias proposições já apresentadas pelo CONSEA (item 62). Na ampliação e coordenação das ações voltadas para grupos populacionais (Diretriz 4) propõe Instituir processos continuados de educação, capacitação e qualificação profissional de negros e negras, com vistas à reparação do déficit educativo e de qualificação profissional ao qual este povo foi historicamente submetido (85). Para fortalecer as ações de alimentação e nutrição (Diretriz 5) o Documento propõe a erradicação da fome e da desnutrição por meio da integração entre as ações específicas e as políticas de acesso ao trabalho e economia solidária (93). Os programas e ações de apoio à geração de trabalho e renda devem constar do orçamento da Segurança Alimentar e Nutricional como orientação na elaboração do PPA 2008-11(108).
Eixo III – Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional O SISAN foi estabelecido na Lei 11.346/2006 (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional). O principal desafio da III Conferência refere-se às proposições relativas à implementação do Sistema e sua interação com as políticas relativas aos demais Sistemas de Políticas Públicas. Quanto ao CONSEA, caberá à Conferência a definição de critérios para sua composição. Na proposta apresentada pelo Documento Base há uma preocupação com a diversidade de segmentos sociais a serem representados no CONSEA. Dentre os segmentos propostos temos as Centrais Sindicais e a Economia Solidária (113). O tema da renda e políticas relacionadas à Segurança Alimentar e Nutricional é parte da matriz de indicadores para monitoramento do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (120). Finalmente, o Documento propõe que no processo de regulamentação e implementação do Sisan ocorra a sua integração com outros conselhos e comissões, sobretudo aqueles que tratam das ações e políticas nas áreas do trabalho e renda, direitos humanos, desenvolvimento rural e territorial, etc. (127).
Desafios As políticas de emprego, trabalho e economia solidária aparecem com destaque no Documento Base da Conferência em todos os seus Eixos Temáticos. Ainda que alguns temas requeiram mais esclarecimento sobre sua contribuição para a Política de Segurança Alimentar e Nutricional e outros não estejam suficientemente e adequadamente incorporados ao debate, o destaque conferido às políticas de emprego, trabalho e economia solidária deve ser entendido como expressão do compromisso com a inclusão pelo trabalho, reafirmando a orientação estratégia e os megaobjetivos inscritos no PPA 2004-2007. Considerando que uma Conferência constitui-se em espaço amplo e privilegiado de participação social para a elaboração e debate sobre a política pública, temos oportunidades de contribuição para que o resultado da Conferência contemple de forma mais adequada e com legitimidade social a necessária articulação entre as políticas de emprego, trabalho e economia solidária e a política nacional de segurança alimentar e nutricional. Para tanto é importante o efetivo envolvimento do Ministério do Trabalho e Emprego, com suas Secretarias e, em especial, as Delegacias Regionais do Trabalho na realização da Conferência (sejam nas Conferências Estaduais e na Conferência Nacional). Tal envolvimento poderá assegurar a continuidade no esforço intra-governamental realizado nos últimos quatro anos para maior integração das políticas. Por outro lado, as políticas de emprego, trabalho e economia solidária resultam da história organização e mobilização dos trabalhadores e trabalhadores na luta e conquista de direitos e da cidadania. A articulação mais adequada das políticas requer participação ativa da sociedade civil neste processo. Assim sendo, a III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional constitui-se em espaço privilegiado para a participação do movimento sindical, movimentos de trabalhadores rurais e urbanos, movimento e organizações da economia solidária (Fórum Brasileiro da Economia Solidária) no debate e apresentação de propostas que possam avançar nas conquistas da sociedade brasileira. A intenção é que o processo de desenvolvimento esteja alicerçado na garantia do trabalho digno, com remuneração justa, com liberdade de organização social e econômica dos trabalhadores e trabalhadores, na promoção da autonomia e autogestão coletiva dos processos econômicos (produção, comercialização e consumo).
Texto elaborado por Valmor Schiochet, Diretor de Estudos e Divulgação da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. O autor foi representante (substituto do Ministro) do Ministério do Trabalho e Emprego no CONSEA.