Fonte: www.adital.com.br

Por Claudemiro Godoy do Nascimento

O debate acerca da Educação do Campo vem sendo realizado há uma década no Brasil. Os parâmetros condicionadores das reflexões realizadas surgiram de certa forma, a partir dos movimentos sociais do campo, em especial: MST, MAB, MPA e CPT. Todavia, outras organizações também se colocaram nesta nova plataforma de discussão que busca reverter o quadro de calamidade do meio rural brasileiro. Para isso, muitos avanços foram conquistados depois de uma profunda luta social por parte dos movimentos sociais e dos educadores/as do campo, bem como ainda existem muitos passos a serem dados na direção de novas experiências de educação específica aos camponeses.

Portanto, a educação do campo destaca uma nova proposição política dos movimentos sociais do campo que se estabelece a partir de várias matrizes pedagógicas que se afirmam neste cenário como alternativas de educação para o meio rural. Dentre elas, destaco as experiências promovidas pelas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e pelas Casas Familiares Rurais (CFRs) pautadas na Pedagogia da Alternância. No Brasil, mais de 200 unidades de formação em alternância se encontram em plena atividade o que determina substancialmente a transformação do meio rural onde se fazem presente. A partir de uma pesquisa participante realizada numa experiência concreta da EFA de Goiás queremos refletir suas principais contribuições e desafios para a promoção de uma educação do campo que se afirme enquanto direito de cidadania até hoje negada à grande parte das chamadas minorias que são, na verdade, a imensa maioria do povo brasileiro.

Metodologia

Este trabalho parte de uma reflexão filosófica, sociológica e política acerca de uma experiência concreta da Escola Família Agrícola de Goiás, localizada na cidade de Goiás. Tratando-se de uma pesquisa participante “os caminhos” seguidos foram em princípio aproximativos dos atores sociais a serem pesquisados, entre eles: trabalhadores rurais, educadores e educandos, pais e mães da Associação e os parceiros da EFA de Goiás: CPT, Diocese de Goiás e Mosteiro Beneditino da Anunciação do Senhor.

A participação do dia-a-dia da experiência fez com que pudesse tomar contato direto com os atores o que determinou descobrir e compreender as relações sociais e as representações simbólicas – as crenças silenciosas – os avanços, os sonhos e as esperanças, mas também, as angústias e as contradições da experiência que se afirmava como libertadora.

Outras estratégias foram utilizadas como recursos técnicos do caminho a ser descoberto, tais como: diário de campo, participação em reuniões e encontros, visita as famílias, – em sua maioria, assentadas – aplicação de questionários aos educandos e aos educadores, entrevista com pais, educadores e membros da CPT e do Mosteiro. Por fim, foram utilizadas fontes documentais como Atas da Associação e da Equipe de monitores, Estatuto, Projeto Político-Pedagógico, registro visual como tabelas, gráficos e fotografias.

Resultados

A educação do campo proposta pelas EFAs, entre elas, também em Goiás surgem como uma possibilidade de educação apropriada às necessidades sociais e históricas a fim de minimizar o êxodo, desenvolver o campo, superar as condições de pobreza, abandono, entre outras mazelas existentes no campo, através de uma formação conscientizadora dos jovens e suas famílias junto as comunidades.

Destaco alguns resultados da pesquisa que considero mais relevantes para nossa reflexão:

– A EFA se afirmou como produtora de um modo de produção anti-latifundiária na região e estabeleceu iniciativas para fomentar a construção da identidade camponesa dos trabalhadores rurais, principalmente ao destacar a existência de um forte coronelismo oligárquico na região. Classifico tal modo de produção como sendo uma nova cultura política de resistência.

– A discussão na EFA acerca dos conceitos de agroecologia, educação ambiental, cultura camponesa, ética e cidadania e a participação dos educandos nos movimentos sociais do campo;

– Falta de financiamento e reconhecimento do Estado;

– Disputas internas entre monitores (educadores) com os pais da Associação;

– Coerção da Associação extremamente influenciada pelos parceiros, em especial a CPT e a cúpula da Igreja. Daí a sua principal contradição: o discurso libertador da pedagogia de Paulo Freire em choque com as práticas despóticas da Associação que se encontrava prisioneira dos recursos da Igreja e da CPT local.

– A EFA não conseguia transformar o meio rural.

Conclusões

Sem dúvida, as EFAs e todas as experiências dos CEFFAs (Centro Familiares de Formação em Alternância) continuam sendo primordiais para a transformação da realidade educacional no meio rural. Por um lado, a EFA de Goiás conseguiu determinar um modo de produção a partir da resistência e da ampliação da luta de classes na região, bem como implantar em sua matriz curricular determinados elementos que conseguiram em partes oferecer uma educação diferenciada aos filhos e filhas de trabalhadores rurais. Mas, por outro lado, deixou-se cooptar por práticas dominantes do qual sempre se colocaram em forte oposição.

A Escola Família Agrícola de Goiás e sua proposta de educação do campo, mesmo tendo sido pensada pela hierarquia da Igreja Católica, fez com que as relações educacionais no município se alterassem e mostrassem os dois lados: os que pensam uma educação bancária e urbana para os trabalhadores rurais dentro da própria instituição pesquisada e, por outro, os que pensam a alternativa, o diferente e a especificidade de se trabalhar uma pedagogia que atenda às reais necessidades de camponeses/as, em sua maioria, provindos da luta pela terra.

A existência da Escola Família Agrícola de Goiás torna-se história em movimento. Portanto, acredito que as EFAs poderiam ser definidas como um projeto alternativo pedagogicamente conscientizador, sociologicamente comprometedor, filosoficamente formativo, culturalmente resistente, politicamente democrático e religiosamente ecumênico. De fato, diante dessas definições não nos resta duvidar da sua importância, necessidade e urgência. Resta-nos, por fim, compreender os fenômenos construídos pelos sujeitos históricos em constante movimento em busca do direito de cidadania negado.

(Palavras-chaves: educação do campo, cidadania, EFAs. * Texto apresentado na 59ª Reunião Anual da SBPC realizada na UFPA em Belém – PA no dia 11/07/2007)

Texto de Claudemiro Godoy do Nascimento Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação pela Unicamp. Doutorando em Educação pela UnB. Pesquisador do Centro Transdisciplinar de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural – CETEC/UnB