Fonte: e_solidaria@yahoogrupos.com.br

Shirlei Silva (sasilva@marista.edu.br) encaminhou sua reflexão sobre as relação tecidas pelo FBES. Sua contribuição motivou a manifestação de outr@s compas. Abaixo compilamos a discussão.

Shirlei ao retornar do II Encontro Latino Americano de Comércio Justo e Economia Solidária enviou email para a lista expressando que se deparou “com várias mensagens sobre a reestruturação do FBES, a relação do FBES com o governo, o PPDLES, as reorganizações estaduais, tudo isto como um caldeirão fervendo, as discussões muito louváveis e necessárias.

Porém, penso que o FBES enquanto movimento precisa avançar mais na sua radicalidade de militância, penso que temos que trabalhar duro para dentro do movimento e avaliando cada ponto e quem sabe construindo um real planejamento estratégico do FBES. Não sei se o fato de vir do movimento de mulheres, movimentos feministas, comunidades de base, me faz pensar isto.

Fico ainda muito preocupada com o fato que os nossos planejamentos cada vez são mais genéricos e gerais e pouco práticos (haja metodologia para atuar com o nosso gigantismo). Falamos da autogestão e participação igualitária, mas temos um modus operandus que sempre precisa de recursos (e que recursos: passagens aéreas, hospedagem, alimentação, internet e até a própria manutenção da estrutura de funcionamento do movimento, incluindo pessoal e equipamentos), numa dependência violenta do capital do estado, para fazer funcionar a nossa engenharia.

A sensação que temos que enquanto outros movimentos sociais avançam no sentido de enxugar suas instancias pela falta de recursos e para serem mais ágeis, na economia solidária temos um Fórum que anda em sentido inverso, por exemplo, com uma coordenação nacional de aproximadamente 100 pessoas. Qual a funcionalidade e viabilidade disto?

Venho do tempo que o movimento social nunca tinha dinheiro e tínhamos que fazer bingo, pedágio, festas para ajuntar dinheiro para alugar um ônibus e ir para algum encontro, em espaços cedidos, ficávamos nas casas d@s comp@s, as reuniões em espaços simples paróquias, escolas, etc . Hoje no FBES, para qualquer coisa temos que esperar pelos recursos do estado, hoje praticamente 90% de todo recurso de funcionamento do FBES vem do Governo. Onde fica a autogestão e determinação dos povos?

Outra questão conflituosa, o fato de termos (FBES e SENAES) sido criados juntos nos dá um monte de “neura”. E às vezes confundimos o que somos e qual é o nosso papel na construção da economia solidária no Brasil. Enquanto Fórum de economia solidária devemos nos afirmar enquanto movimento e trabalhar em sintonia nesta construção. Em relação ao(s) governo(s) qual é o nosso papel?. Mas, as vezes nos achamos governo, outras vezes somos radicalmente contra qualquer iniciativa e falamos que temos o papel de controle social? Mas o que é mesmo isto? E que agora se complica com a criação do CNAES que de fato é o “espaço” onde compete o controle social e a gestão partilhada da política publica. E, é claro, inserido no CNES atuando no controle social e na relação partilhada com outros atores que estão também no CNES.

Vejo que este momento pode se tornar uma grande oportunidade para nos remeter (FBES) a atuar mais diretamente na organização do próprio movimento, o que nos defini? Quem participa? E os fóruns estaduais? Cada um tem um modelo de operar, e se autodenominar Fórum? É isto mesmo? Não teríamos que ter alguns parâmetros limitadores? O que defini cada um dos atores dos FEES (empreendimentos?, gestores públicos?, assessoria?) O mapeamento? A quem compete a captação de recursos estadual para a manutenção dos Fóruns Estaduais? Todo Estado tem estrutura para ter uma secretaria? Quem são? Qual é o papel dos militantes e o que define um(a) militante de economia solidária?

Outra questão que sinto a necessidade é de radicalizar o nosso jeito de ser movimento. As nossas reuniões cada vez mais endurecidas, sem espaço para o simbólico, o lúdico e o sagrado. As místicas e dinâmicas que sempre utilizávamos estão se perdendo, não temos tido mais tempo para isto. Como se este fosse uma questão menor, ou “coisa de igreja”. E às vezes nas nossas práticas vamos nos desumanizando, deixando o cuidado de umas com as outras, uns com os outros de lado, para outro momento e as coisas se complicam muito.

Se estamos sendo militante de um movimento que tem como bandeira o cuidado humano, o respeito ao próximo entre outras questões, muitas vezes nossas práticas são contraditórias com os nossos discursos e por não dizer com os princípios da economia solidária.

Portanto, considero que estamos num momento fundamental de reflexão sobre a atuação do FBES. Será que diante da realidade somos realmente um movimento de economia solidária? Como avançar, sem perder o cuidado, como radicalizar (ir as raízes das coisas) sem endurecer? Ou como diria o comandante Tché: Como não perder a ternura?

Então companheirada, vamos dialogando e seguindo a nossa utopia, que ela nos leve adiante.”

Rose (rgomes@fase.org.br), que esteve no Encontro de Cuba logo respondeu à mensagem de Shirlei.

“Gostei desse seu e-mail, ele é parte daquilo que já vinhamos sentido e parte de uma reflexão pós Havana, né?

Fazia tempo que eu me sentia meio endurecida pelas pelas constantes, uma disputa de interesses, sem me sentir parte de um coletivo de reflexão, tb com tanto ativismo impossável darmos conta de tudo em igual proporção. […]

Então chegou a hora tam tam tam tam que eu esperava já faz tempo e que somente pelos compromisso assumidos anteriormente, em fazer pontes, tentar harmonizar divergências inter e intra-redes adiei até esse Encontro de Habana.

Pretendo resumir na RIPESS as minhas atividades externas/internacionais e até o final do mandato ou caso o FBES queira tb ser substituída. […]

Vcs já devem ter lido nas entrevistas, nos boletins que começo em março-abril a coordenação geral de um projeto nacional demonstrativo com o FACES com foco no sistema público, será um desafio enorme e terei que viajar bastante (o sina gostosa, eu adoro, só precisava que não fosse o tempo todo e me desse tempo de lavar e passar as roupas pra colocar na mala…)

Bueno agora serão viagens internas, pra dentro do Brasil, andar pelo campo (pelo mato como dizemos os urbanos) e pelos recantos das nossas metrópoles, ver ao vivo alguns projetos que conheço bem de nome/marca e me reciclar nessa nossa realidade.

Eu pretendo fazer o relato da parte politica entre redes dessa ida a Havana (a memória do processo sairá, espero que com a nossa contribuição, daqui a unas 10 dias)e me comprometo a fazer esses relatos na ordem cronologica – primeiro FSM Nairobi, depois Habana – apartir da proxima semana.

Assim fecho um ciclo da minha participação “em eventos”, não em “processos”, pq nesses processos com os quais tenho responsabilidade estarei sempre a disposição pro dialogo e reflexão coletiva e ajudando inclusive a organizar, porém situada aqui, sem necessariamente estar presente fisicamente (possível? acho que sim, vamos tentar). Podemos começar com a Feira de Sta Maria fazer as pontes repassar contatos das redes com o IMS e o pessoal local, iniciar os diálogos consolidar na agenda latina nossa feira e garantir a ampliação na vinda dos demais países e seus produtos.

Sabe Shirley, durante as reuniões noturnas diárias dos “bastidores” de Havana para acertar algumas questões pendentes de esclarecimento por parte dos nossos amigos do GRESP, ou para negociação financeira do buraco, ou mesmo dos nossos interesses “bairristas” (dos brasileiros) e tentarmos minimizar a tensão visivel nas faces …… acho que agente pode se orgulhar porque fizemos nossa parte e entendemos os demais companheiros chegando com seus estilos e culturas de trabalho……sua presença e dos demais brasileiros ( Miguel, Rizo, Dri e Milta-acertei a grafia desa vez ?) foi realmente essencial pra tirar parte da minha dureza politica e humanizar na divergência. Isso sem varrer pra baixo do tapete ou ter que escolher um so lado como detentor da verdade (afinal existe sempre mais de uma verdade) e os fatos são por vezes maleáveis.

Havana com todos os problemas que tivemos, antes, durante e até depois valeu a pena, eu acho e vc? Pudemos agregar novas redes da regiões da centroamerica, onde antes nem tinhamos contato, apresentar o FBES em várias facetas, trazendo grande curiosidade inclusive para futuro apoiadores (Ación y Ahuda / Oxfam Ingraterra/ DFID) Percebemos que muitas vezes os amigos divergem da gente, não pensam iguais e nem agem como a gente espera, e mesmo assim continuam queridos .

E em especial ver que às vezes precisamos ser menos protagonistas e mais planejadores, cedendo um pouco naquilo que não é essência pra ganhar nos acordos dos coletivos.

Essa foi a segunda vez que eu me senti num coletivo/ grupo do FBES no plano internacional “estando fora do Brasil”, a outra foi no aperto de Nairobi -Kênia com outros companheiros da coordenação.

Agora já temos o Ary, Miguel, Sandra Praxedes e você Shirley com experiências internacionais e se somando nos debates aos demais amig@s do GT_RI.

Com certeza podem compreender a importância e os reflexões daquilo que se passa no internacional e que pode nos ajudar na reflexão e apontar rumos para a região, mas tb no plano local/nacional. Já posso ficar mais na retaguarda, que bom pra tod@s nós!

Beleza Shirlei, acredito que isto nos da algumas pistas para trabalharmos uma proposta para a oficina nacional de formação articulada com a reestruturação.

A única coisa que tenho dúvida, é quando diz que “na economia solidária temos um Fórum que anda em sentido inverso”. Vejo que não! Acredito que é assim que construimos o novo. E quanto mais participação mais transparência. E se formos ver mais de perto, o enxugamento que fala em outros movimentos, os resultados não são bem assim e tem criado outros problemas. Bom, mas isto é uma visão pessoal.

Vejo que voltou a toda e isto nos anima bastante. Diogo Almeida (diogofar@yahoo.com.br) entrou na discussão, concordando com as colocações de Shirlei e fazendo algumas ressalvas. “Acho que devemos ultrapassar esta barreira da democracia representativa, pois sabemos que cada pessoa acima de tudo se representa, ninguem é neutro, e por isso não vejo como problema, mas como um processo de amadurecimento uma coordenação do FBES com 100 pessoas. Com relação a funcionalidade e viabilidade acho válido se levantar em conta, mas é melhor ainda levarmos em conta tambem este aspecto da democracia representativa X autogestão (onde não ha chefe para representar ninguém, e temos que favorecer a diversidade).

Esta dependência do capital estatal tambem é bastante prejudicial para o FBES na sua operacionalidade, pois se o governo sair “já era”, e também, ao meu ver, causa um “medo” de ir contra algumas ideologias deste estado, que convenhamos, está mais para burguês! Agora também não podemos esquecer que o Estado tem a sua obrigação para com o povo brasileiro, e também tem que contribuir para que Fóruns democráticos que favorecem o exercício da cidadania, da diversidade de idéias, e proposição de modelos alternativos (inclusive de Estado) devem ter o seu suporte, principalmente jurídico, assegurado.

É isso gente, estamos nessa luta, e acho esse debate de pensarmos que tipo de Estado (e com isso nossa relação com ele) queremos é importantissimo atualmente!!!”

Ao responder estas mensagens Shirlei escreve “importante abrirmos este diálogo. Estar em Havana e compartilhar com o povo cubano os efeitos do bloqueio econômico, cultural e ideológico me remeteram a nossa realidade, aqui do Brasil, com tantas facilidades de acesso. Pensar com o povo cubano que tem sofrido com vários tipos de racionamentos, mas fez uma opção política por investir no essencial, nos remete a pensar a nossa prática.

É claro que não podemos comparar realidades distintas. Mas com certeza podemos aprender com as realidades com as quais tomamos contato e principalmente nos ajuda a refletir na nossa prática e rever os valores que pregamos na Economia Solidária.

Isto também nos faz refletir sobre a nossa presença no cenário internacional e como esta presença soma com o nosso planejamento interno. Lembro de alguns modelos de planejamento onde fazemos algumas perguntinhas básicas: O que? Como? Onde? Com quem? Para que? Com Quanto? Penso que estas perguntas são fundamentais para o FBES agora.

Rose, fico lembrando das nossas angústias com cada demanda que ia surgindo durante o II encontro em Havana, que não são muito diferentes daquelas que vivi com o Dani, o Walmir, o Lenivaldo e o Evandro no Canadá. Mas, com certeza precisamos ter os pés firmes no chão e os olhos no futuro.

Fico preocupada também com a imagem que passamos do Brasil para o mundo. Chegando ao ponto que, na nossa participação nos pequenos grupos quando falávamos da necessidade de organizar a ecosol para dentro, as pessoas nos diziam:

– Vocês têm uma realidade muito diferente no Brasil, já tem tudo organizado na economia solidária, podem ficar nos ajudando nos nossos países, na consolidação da economia solidária.

Gente, isto dá ate um frio na espinha. A imagem que os outros países têm do FBES não é a real. Pensam que a nossa realidade é de uma rede nacional super articulada, presente em TODOS os Estados, em dialogo constante com os governos etc e tal, bem como de uma política pública consolidada em economia solidária. Com a vida resolvida e cheia de contribuições internacionais para dar. E sabemos que não é bem assim. E ai? Esta imagem nos dá uma responsabilidade enorme, como responder a isto? Vamos continuar alimentando esta miragem? Isto cria um peso para quem fica na articulação internacional. Como responder as demandas crescentes? Se dentro do FBES estas questões passam… e caem no vazio. Como manter um diálogo constante com as articulações internacionais e responder enquanto a “tão articulada rede nacional” e não pelas suas próprias impressões, ou na conversa de apenas duas ou três pessoas e o restante nem ter noção do que esta acontecendo e sem ter condições de opinar. O que acontece no final das contas é que estouramos todos os prazos e na ultima hora temos que correr para dar respostas, conseguir recursos.

Vejamos, já saímos de Havana com algumas agendas: Feira de Santa Maria em Julho, Lima + 10, em Novembro, Feira Pan Amazônica em Setembro, Feira Canária em Janeiro. III Encontro do Comercio Justo e Economia Solidária no Uruguai em 2009 e Luxemburgo também em 2009.

E com isto as angustias que a Rose coloca, neste seu novo momento, nos remete a refletir mais ainda sobre o que estamos construindo? Acaba que vamos colocando nos ombros de algumas pessoas o peso da responsabilidade e fica uma gestão muito solitária. Algumas pessoas se revezam, mas fica uma questão como podemos fazer com que esta discussão seja de um coletivo, seja apropriada pelo FBES. Esta deveria ser uma função do GTRI, mas desculpem compas do GTRI, mas este GT (como outros) não tem conseguido dar esta resposta e nem fazer com que esta questão avance para dentro do FBES.

Eu lembro que em Santa Maria, no ano passado, tínhamos falado da necessidade de ter alguma publicação que ajudasse nisto, uma cartilha introdutória sobre as redes/articulações internacionais, mas penso que temos que criar estratégias onde estas discussões venha fazer sentido prático, principalmente para as pessoas mais simples, que não tem participado destas discussões.

Fico preocupa fazendo estas colocações e ser mal entendida, pois sabemos como são as disputas neste campo e sempre que tem alguma possibilidade de escolher alguém para ir participar de um evento fora do Brasil como aparecem candidat@s. Mas, sinceramente, estamos construindo um movimento que precisa ser pensado para além dos egos, das disputas, um movimento orgânico, gostoso, com diferenças sim, mas algo que dê gosto de participar, lutar e construir.

Então vamos junt@s onde estejamos e Rose você com certeza tem muito ainda para fazer e a sua contribuição a sua maneira franca de colocar as coisas é fundamental neste momento.”