Texto de Cristina dos Anjos,coordenadora político-pedagógica da Cáritas Brasileira e coordenadora da Comissão de Gênero do Secretariado Latino-americano de Cáritas (Selacc).
“hay que eliminar, como contraria al plan de Dios, toda forma de discriminación en los derechos fundamentales de la persona, ya sea social o cultural, por motivos de sexo, raza, color, condición social, lengua o religión” (GS 29).
A proximidade do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, amplamente divulgado nos meios de comunicação e no comércio, reascende o debate sobre as condições de vida das mulheres em nossa sociedade e nos faz perguntar o que temos para comemorar.
Somos 40% da força de trabalho mundial, porém a conciliação entre a vida familiar e a vida “produtiva” do mundo do trabalho continua sendo um grande desafio para a eqüidade entre homens e mulheres. Além disso, ocupamos somente 3% dos postos executivos (UNFPA).
No Brasil, nós negros/as somos 47,3% da população e compomos 68,8% dos 10% mais pobres (IBGE, 2003). As mulheres negras estão majoritariamente no trabalho doméstico, por isso tão invisibilizado e precário, além do que apenas 23,4% das mulheres negras possuem carteira assinada (Unifem/Ipea 2003).
Na saúde, dos 35 milhões de pessoas afetadas no mundo pelo HIV/Aids, 15 milhões são mulheres e, ainda hoje, 12% das mulheres negras não têm acesso à anestesia no parto.
Em termos globais, representamos mais da metade do eleitorado, mas ocupamos apenas 12,7% das bancadas parlamentares no mundo, e na América Latina e Caribe, esse número não chega aos 10%.
Poderíamos trazer também dados referentes à violência intra familiar, à educação, ao acesso à moradia e à terra, à mortalidade materna e tantos outros, reforçando a situação de exclusão e de precariedade nas quais vive a grande maioria das mulheres no mundo e, em especial, na América Latina e Caribe.
Infelizmente esses números, tão “naturalizados”, não passam de dados. Seria desejável que os mesmos pudessem sensibilizar a sociedade, desinstalar os nossos governantes e provocar nossas instituições, impulsionando-nos para ações mais globais e estratégicas.
Em relação à pobreza – dos 4,5 milhões de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia, 75% são mulheres e crianças (Unaid 2000) –, é necessário, por exemplo, compreender a pobreza como uma situação de privação de capacidades e não simplesmente de renda ou necessidades básicas insatisfeitas.
É preciso visualizar na luta contra a pobreza em que medida as mulheres estão sendo privadas de exercer uma cidadania que lhes permita participar plenamente. E em que medida não estamos também contribuindo com processos mantenedores de desigualdades sociais.
Sabemos que o sistema econômico vigente produz essa realidade excludente, desagregadora, inviabilizando a efetivação de boa parte dos direitos obtidos pelas mulheres.
Na América Latina e Caribe, por exemplo, embora tenhamos tido avanços na definição de políticas públicas voltadas para as mulheres, a sua efetivação está quase sempre vinculada a disponibilização de recursos, que por sua vez depende de interesses escusos, quase nunca transparentes, e de adaptação aos critérios do atual modelo econômico.
Porém, ainda assim, é preciso comemorar e renovar as nossas esperanças. A América Latina e Caribe vive hoje um novo momento de abertura política com uma importante participação das mulheres. Temos mulheres nos poderes legislativos, judiciários, nos governos locais, mulheres candidatas à presidência e à vice-presidência e a recente eleição de Michelle Bachelet para a presidência do Chile. Sabemos que por si só esses fatos não garantem uma transformação no exercício da democracia e nem na efetivação de políticas voltadas para e com as mulheres. Porém, demarca um grande avanço em uma luta que é histórica: a participação efetiva das mulheres nas decisões políticas dos nossos países.
Enquanto cristãs/os que somos, estamos desafiadas/os a lutar contra toda a forma de desigualdade, de descriminação e de opressão, que sabemos, são opostas ao projeto de Deus. Na condição de cidadãos e cidadãs, temos o dever de contribuir para que todas as pessoas sejam respeitadas e tenham seus direitos garantidos. E como homens e mulheres que sonham e acreditam em uma Nova Sociedade, já não é possível permitir situações de exclusão a que estão submetidas tantas mulheres.
Esta luta não é simples e está vinculada às mudanças estruturais. É uma luta que não deve ser assumida somente pelas mulheres. Pressupõe mudanças de várias ordens, mas, principalmente, de inversão de valores e de compreensão dos desafios e das lutas estratégicas a serem enfrentadas conjuntamente.
Por fim, é urgente e necessário avançarmos em ações concretas para fazermos acontecer essa Nova Sociedade justa e solidária, onde homens e mulheres poderão, sobretudo, ser companheiros/as de caminhada.