Fonte: Giselle Moura (giselleschnorr@yahoo.com.br)

A rede de movimentos que denominamos Universidade Nômade é uma “rede de redes” composta por núcleos e grupos de pesquisa, militantes de pré-vestibulares populares, movimentos culturais, filósofos, artistas, entre outros. Pretendemos constituir uma pauta comum de discussão e debate em torno dos grandes temas ligados aos desafios da mudança que marcam esse início de década no Brasil, em particular os relativos à universalização dos direitos e do acesso aos meios para a produção do conhecimento. Sabemos que é em torno da produção e da difusão do saber que se organizam, hoje em dia, as redes de cooperação social produtiva que desfiam os antigos e os novos dispositivos através dos quais o poder perpetua a exploração. Diante disso, a Universidade Nômade almeja a produção de conhecimento de maneira transversal: em relação com o fora, rompendo as cercas que separam o trabalho intelectual (acadêmico) do trabalho em geral (manual, subordinado).

Socialização do conhecimento – O nômade, com efeito, desenha um outro espaço, um espaço aberto, sem cercas nem propriedade. O nômade produz um outro tipo de conhecimento, um contra-saber adequado ao seguinte desafio, extremamente atual: como encontrar uma unidade pontual das lutas sem com isso cair em uma organização despótica e burocrática, como a do partido ou a do aparelho de Estado?

Nesse sentido, o nomadismo de que se trata aqui pode ser desmembrado em duas direções. De dentro para fora, a Universidade pode refundar sua dimensão pública, abrindo brechas nas cercas que produzem e reproduzem as velhas e as novas formas de subordinação. No mesmo movimento transversal, mas de fora para dentro, a Universidade Nômade visa colocar a produção do conhecimento em ligação direta com o trabalho da resistência: o dos movimentos sociais múltiplos que constróem máquinas de produção contra os aparelhos estatais e corporativos de perpetuação da desigualdade social e racial.

Nas questões do ensino, em geral, e do ensino superior, em particular, a crítica à ideologia do mercado, e de seu simulacro de espaço público, deve ligar-se, com urgência, aos movimentos que lutam contra a abusiva identificação entre o “público” e o “estatal”, identificação esta que o corporativismo de todos os tipos cultiva cuidadosamente. Nômades, como o movimento dos pré-vestibulares para negros e carentes ou os movimentos culturais dos jovens oriundos da segregação urbana, são os que produzem o sentido do público. As políticas afirmativas constituem, portanto, um instrumento fundamental para abrir o espaço cercado do poder (acadêmico) ao território público do saber (universal).

Combate ao racismo – As condições injustas de acesso ao ensino superior constituem mecanismos fundamentais de perpetuação e de naturalização da desigualdade e do racismo que assolam o país e que devem ser desmontados aqui e agora. A não-democratização do ensino superior é um dos limites fundamentais ao seu próprio desenvolvimento. Neste sentido, contrariamente aos que defendem uma Universdade elitista da qualidade contra a quantidade, afirmamos o princípio de que, em termos de conhecimento, é a quantidade o que gera a qualidade. E consideramos que todo discurso que oponha a abertura do acesso (a quantidade) à manutenção da qualidade (para poucos) é antidemocrático e desmentido pela força dos fatos. A produção científica e a inovação são também fenômenos sociais, que dependem inteiramente da capacidade do sistema democrático de mobilizar massivamente seus recursos cognitivos.

Universalizar o direito à Universidade significa, hoje, repensar e refundar suas bases públicas (a universitas, a comunidade) de fora para dentro, isto é, a partir da multidão dos excluídos que lutam para furar a cerca. Mas, ao mesmo tempo, refundar as bases sociais da Universidade, ou seja, torná-la efetivamente pública implica em transformar a natureza dos processos de produção e de difusão do conhecimento, em produzir um saber nômade, um contra-saber de lutas que, unificando-se, potencializam suas múltiplas possibilidades de ação. Produzir e difundir o conhecimento são momentos que se misturam de maneira irreversível. Universalizar os direitos, enfim, significa também produzi-los!

Conheça a página do projeto: www.universidadenomade.org.br