Fonte: Wilson Sobrinho, do Planeta Porto Alegre (www.planetaportoalegre.net)

Na América Latina, o confronto dos que resistem à globalização neoliberal e aqueles que a impõem acaba de chegar a uma área antes quase que exclusiva dos últimos: as telecomunicações. Com suas bases fincadas na capital venezuelana, Caracas, e ambicionando transmitir para todo o continente, está no ar, via satélite, desde o dia 24 de maio passado, o sinal de teste da Nueva Televisión del Sur ou simplesmente Telesur. A alternativa latino-americana aos grandes conglomerados de televisão mundiais é descrita por seu diretor como “o primeiro projeto de mídia contra-hegemônico que a América do Sul irá conhecer em termos de televisão”. Segundo Aram Aharonian, jornalista uruguaio radicado na Venezuela, se trata de um projeto de integração continental. A Telesur “nasce da necessidade de dar voz aos latino-americanos em meio à acumulação do pensamento único – que é o que transmitem os meios de comunicação comerciais – da urgência de nos vermos com nossos próprios olhos e dar soluções próprias a nossos problemas”, disse em entrevista ao diário mexicano La Jornada. “Se não começarmos por aí, o sonho da integração latino-americana não será mais que um projeto”.

Oitenta por cento do financiamento inicial – de 2,5 milhões de dólares – necessário para fazer funcionar a empresa veio do governo venezuelano. O presidente argentino Nestor Kirchner, em um acordo feito em fevereiro, enviou 20% do investimento. Além disso, a Argentina irá ceder seus satélites para retransmitir o sinal da TV e fornecer programação para a emissora. Do Uruguai, o recém eleito presidente Tabaré Vasquez foi um dos primeiro a abraçar a idéia, garantindo 10% dos custos iniciais. Participam ainda Brasil e Cuba, compartilhando programação e tecnologia.

A televisão deve entrar em funcionamento completo no segundo semestre desse ano, mas não espere apresentadores de terno e gravata nessa nova emissora. Uma das âncoras da Telesur, Ati Kiwa, indígena colombiana, aparecerá nas telas vestindo roupas de sua cultura. Cerca de 40% da grade de programação da Telesur será de cunho jornalístico/informativo. A emissora, cujo slogan é “O Nosso Norte é o Sul”, terá correspondentes na Argentina, Colômbia, Cuba, Brasil, Estados Unidos, México e Uruguai.

Os outros 60% da programação devem ser preenchidos por produções audiovisuais próprias e independentes, programas de TVs comunitárias, de universidades ou programas produzidos por organizações populares e sociais. “Nosso enfoque será o contrário do da televisão comercial. Vamos buscar o protagonismo dos movimentos sociais, das pessoas das comunitárias, dos povos”, explicou Aharonian.

Material para ir ao ar não será problema, segundo o jornalista colombiano Jorge Enrique Botero, diretor de conteúdo da Telesur. “Existem centenas de documentaristas e criadores de televisão que produzem um material muito original e que acabam frustrados por não ter oportunidades para chegar aos meios de massa. Existe uma geração inteira esperando. E nós queremos essas pessoas”.

Botero diz ainda que as diferenças para as televisões comerciais irão além do conteúdo. “Vamos nos diferenciar em muitos sentidos: estilo, tom, movimento de câmera. Nossos apresentadores terão um estilo coloquial, teremos jornalistas que irão contar histórias, serão repórteres, não bonecos que apenas sabem ler teleprompter. Teremos câmeras em ação nas ruas, buscando ângulos que as outras não pegam”.

Obviamente, pelo histórico recente de confrontos na região, um projeto como esse não passaria sem vozes contrárias – na Venezuela e, principalmente, nos EUA. “Uma rede ao estilo da Al-Jazeera na América do Sul soa como se Chávez quisesse envenenar a mente de pessoas que desejam ser livres”, vociferou um deputado republicano eleito pela Flórida, segundo noticiou o site independente norte-americano Alternet.

Segundo Aharonian, não há o que temer. Embora a empresa seja financiada por estados, isso não se dará eternamente. Existem planos de em pouco tempo cortar o cordão umbilical do financiamento estatal. Além disso, os critérios jornalísticos estarão acima dos políticos, segundo o diretor da Telesur. “Chávez estará na TV quando for notícia”, disse ao The New York Times, em meados de maio. O único membro politico do quadro administrativo da empresa será Andrés Izarra, ministro da Informação da Venezuela. O resto da direção será formada por jornalistas: entre eles Aharonian, Botero, Ana de Escalom (Canal 7, da Argentina), Beto Almeida (Brasil), Olvidio Cabrera (Cuba).