Por: Sérgio Ferrari, Colaborador da Adital na Suiça
Fonte: Adital Notícias (www.adital.com.br)
Militante social brasileiro, agudo analista político, Francisco Whitaker, o Chico, é membro da Comissão Justiça e Paz do Brasil, uma das oito organizações que fundaram o Fórum Social Mundial (FSM) de Porto Alegre e faz parte do Conselho Internacional do mesmo. A quase cinco anos do nascimento desta proposta, os fóruns sociais em escala mundial, continental, regional, temática e nacional converteram-se em relevantes espaços de convocação para o movimento altermundista, tal como o destaca nesta entrevista, durante o segundo Fórum Social Suíço.
Poderia relembrar o marco histórico em que surge a proposta do Fórum Social Mundial?
O século XXI acabava de começar e algo novo emergiu no mundo: o Fórum Social Mundial, convocado pela primeira vez no início do ano de 2001 em Porto Alegre, Brasil, no mesmo momento em que na Suíça se reunia o Fórum Econômico Mundial de Davos. Com o lema de que “outro mundo é possível”, este encontro realizou-se nos dois anos seguintes na mesma cidade, reunindo cada vez mais e mais gente, com debates, manifestações nas ruas e a decisão de comprometer-se em ações transformadoras. Em 2004, o Fórum foi realizado em Bumbai, Índia, e acaba de reunir-se no final de janeiro de 2005 de novo em Porto Alegre, reunindo a mais de 150 mil pessoas. Quanto ao futuro, um conjunto de fóruns ligados entre si serão realizados em 2006 e em 2007 um novo encontro mundial será feito na África. Em todo caso, é absolutamente impossível, hoje, ignorar o Fórum Social Mundial, assim como aos Fóruns Sociais regionais, nacionais, locais que se realizam desde 2002.
Como se explica este expansivo processo?
Após a perplexidade causada pela queda do Muro de Berlim, retomou-se uma luta que existe há muito tempo contra a dominação do capital, impulsionada por gente que insiste em acreditar que não chegamos ao “fim da história”. Os fóruns reúnem àqueles a quem os interesses dos seres humanos – incluindo o respeito à natureza- devem estar no centro de toda decisão política, papel que não pode ocupar nem o dinheiro nem sua acumulação. A decisão da data em que se realiza o FSM quer expressar que há uma alternativa ao “pensamento único” -que se centra exclusivamente na lógica do mercado- dos dirigentes mundiais que se reúnem a cada ano em Davos.
O FSM denuncia as conseqüências do atual tipo de globalização que se impôs. E busca fortalecer as relações de solidariedade entre os povos para promover uma paz duradoura entre as nações. Os participantes dos Fóruns exigem também, que em todas as partes, os governos eleitos democraticamente comprometam-se de forma eficaz a atuar para diminuir as desigualdades sociais no interior de seus países e no mundo inteiro. A proposta do Fórum vai, no entanto, mais adiante: abre novos caminhos na busca de soluções para os problemas mundiais. E é isto o que explica seu êxito.
Quando fala de novos caminhos também se refere a novos métodos? O que é realmente novo neste processo de fóruns sociais mundiais, regionais, nacionais?
O novo é a própria maneira em que se realizam. Não se trata de uma invenção dos organizadores. Estes não fazem mais do que reconhecer as experiências de luta da humanidade contra os diferentes tipos de dominação, durante as últimas três décadas. E daí surge a proposta de estruturas organizativas em rede, em que não haja uma condução, as relações horizontais de poder.
A proposição de base do Fórum Social Mundial passou de simples resistências com manifestações de protesto -que se multiplicam por todas as partes- à proposição de alternativas. E pôs o seu uso diante de um valor que será essencial no mundo a que nós aspiramos: o respeito à diversidade.
Os fóruns sociais são abertos -sem nenhuma discriminação- a todos os que querem mudar o mundo, respeitando as escolhas, cultura e ritmos de cada um; rechaçando ao mesmo tempo os métodos violentos para realizar essas mudanças. Por outro lado são organizados, como dizia, segundo a lógica de redes: nenhum participante nem nenhuma atividade tem mais importância que as outras e todos são co-responsáveis pelo evento (no Fórum de 2005 todas as atividades realizadas, cerca de 2000, foram auto-gestionadas por aqueles que as propuseram). O Fórum nega, por tanto, as teorias e práticas de ação política que se repousam em líderes carismáticos ou em vanguardas iluminadas, tal como aconteceu em alguns casos no século passado.
Nesse sentido, os que organizam os Fóruns não os dirigem. Não são mais que facilitadores. Ninguém pode falar em nome do Fórum ou tentar representá-lo, porque não é nem movimento nem uma entidade. É, simplesmente, um espaço de encontro, no qual as diferentes organizações da sociedade civil podem reconhecer-se e encontrar-se (superando as barreiras que as separam), ajudar-se mutuamente, aprendendo com os outros, construindo novas alianças para impulsionar novas iniciativas.
Os fóruns, então como espaços de otimismo e de esperança dentro de um modelo hegemônico que prega, com suas realizações, todo o contrário, é uma visão quase fatalista do desenvolvimento da humanidade?
Cada encontro -mundial, regional, local- do processo em marcha do Fórum Social Mundial é, em si mesmo, uma aprendizagem de uma nova cultura política, na qual a competência é representada pela cooperação, o que explica o clima de alegria destes encontros. De fato, milhares de pessoas que aderem a esta iniciativa (entre elas um número crescente de jovens receptivos à generosidade e a esperança) se situam em uma perspectiva mais otimista da natureza humana. Esta perspectiva -bem diferente da adotada pelos que dirigem hoje a economia mundial- foi muito bem resumida por Hazle Henderson, em artigo sobre a designação do prêmio Nobel de Economia (Le Monde Diplomatique, febrero 2005), do qual retomo o seguinte raciocínio. O ser humano não é um agente econômico racional, que tem um cérebro réptil, obsessivo por mais e mais ganância a partir do medo. Suas motivações, mais complexas, incluem o cuidado com os outros e o compartir.
Tudo isto tem como conseqüência muito precisa, o nascimento efetivo de um novo ator político -independente do Fórum- que marcará, certamente, este novo século: essa rede horizontal e democrática não dirigida à que podemos denominar sociedade civil. É, de fato, o único ator que pode ter -pela expansão da co-responsabilidade de todos os cidadãos do planeta- um poder suficiente para que a construção de “outro mundo” seja efetivamente possível.