Fonte: RITS (www.rits.org.br) – 03 de abril de 2005

Autora: Mariana Hansen

Criada em 2003, a Escola Livre de Desenvolvimento Solidário de Olinda (PE) é uma iniciativa do Programa Gestão Pública e Cidadania, da FGV-SP, com o apoio de várias organizações, entre elas o Centro de Cultura Luiz Freire e a Associação dos Pequenos Agricultores do Estado da Bahia (Apaeb). Desde 1998, o programa vem produzindo conhecimento através da realização de seminários temáticos, com análises, linguagens e aprendizagens múltiplas. Para a coordenadora geral do projeto, Ilka Camarotti, "é uma árdua tarefa deslocar o debate sobre pobreza e desenvolvimento solidário para a região Nordeste, como também capacitar a população empobrecida, valorizar seus saberes e fazeres populares". O resultado desse trabalho contínuo de identificar, selecionar, analisar, disseminar, partilhar, empoderar, influenciar e transformar levou à criação da Escola. O projeto tem por objetivo promover a interação entre as diferentes atividades de reflexão e formação já existentes em universidades, organizações não-governamentais, sindicatos, igrejas, setor empresarial e organizações indígenas.

Concebida para ser um centro de referência e intercâmbio para a análise de experiências e práticas inovadoras de desenvolvimento local solidário, a Escola contribui para viabilizar iniciativas transformadoras. Segundo Ilka, "ao consolidar uma cultura de encontros e diálogos entre as pessoas e instituições diferenciadas, com vivências e conhecimentos igualmente distintos, buscou-se não apenas reconhecer e fortalecer o protagonismo dos atores locais e de suas práticas, mas também diversificar a escala de atuação e interiorização da academia". A Escola também pretende estimular o desenvolvimento de competências e habilidades, servindo de base para a formação de capacitadores e gestores de programas e projetos.

Para marcar o início de suas atividades foram realizados dois fóruns de discussão em 2004, um deles com o tema "Repensar o desenvolvimento local: trajetórias e possibilidades". Também foram promovidas oficinas temáticas e sessões de comunicação durante a 3ª Expo Brasil de Desenvolvimento Local, que ocorreu em Olinda (PE). Em janeiro deste ano, foi realizado um seminário internacional, "Os caminhos da descentralização na América Latina – pobreza, políticas sociais e participação". O evento foi uma iniciativa conjunta da Escola, do Observatório Latino-americano de Inovação Pública Local e do Centro de Política Social para a América Latina da Universidade do Texas. Estiveram reunidos participantes de Chile, Peru, México, EUA e Brasil.

Além de promover o desenvolvimento local e solidário, a Escola pretende contribuir também para a redução da pobreza e das desigualdades sociais. Isso se dá na medida em que, por meio das suas atividades, analisa e dissemina a variedade e a densidade de ações sociais bem-sucedidas e aprendizagens existentes no Brasil. É dada imensa importância à divulgação e à potencialização dos conhecimentos e das práticas que apontam caminhos concretos para a redução da pobreza e das desigualdades. A Escola possibilita a consolidação do diálogo e a partilha de idéias de pessoas diferentes, oriundas de lugares e práticas distintas. "É um espaço ‘desarmado’ e democrático em que o mais importante é garantir a igualdade de oportunidades, para que todos os participantes possam trocar idéias livremente, independentemente de títulos acadêmicos, status social ou funcional", diz Ilka.

Os seminários, oficinas, cursos e fóruns estão abertos gratuitamente a todos os segmentos da sociedade, visando facilitar o conhecimento mútuo e uma maior proximidade entre todos, além de uma participação efetiva nos debates e nas reflexões. Pessoas vindas de outras cidades recebem uma atenção especial durante sua estada em Olinda, para que percebam os valores de confraternização que a Escola pretende difundir. Para isso, promove eventos, encontros e oficinas – como as refeições coletivas, em que os participantes ajudam a preparar a comida, ou mesmo um passeio pelo centro histórico da cidade. Os participantes costumam ficar hospedados em hotéis e pousadas locais, pois outro objetivo do projeto é dinamizar a economia local.

Outro aspecto importante dessas atividades é que a Escola assume o compromisso de incentivar e financiar, em especial, a participação de pessoas ou entidades com menos recursos materiais. "Por isso a captação de recursos para o nosso trabalho é vital, garantindo a participação gratuita do público interessado", comenta a coordenadora.

O conceito de "escola livre" significa não pretender fazer parte do sistema formal de educação brasileira, ou seja, ela não emite diplomas. Todos são alunos e professores nessa iniciativa. A entidade é um espaço privilegiado para estudos sobre as questões práticas do cotidiano e para avaliação independente de políticas públicas. Possui um enorme acervo composto por documentos, pesquisas, relatórios, vídeos e diversos outros materiais, produzidos sobre temas que envolvem o desenvolvimento solidário, as organizações atuantes e as fontes de financiamento. E o melhor: todos que freqüentam a Escola têm acesso livre a esse acervo.

Neste espaço tão cheio de alternativas e informação existem ainda as possibilidades de articulação, construção de alianças e ações conjuntas, ampliadas pelo conhecimento das preocupações de cada um, escutando e debatendo suas propostas. Segundo Ilka, "a Escola está aberta a todos que queiram dialogar e partilhar idéias no campo do desenvolvimento solidário e que estejam realizando ou apoiando ações de interesse verdadeiramente público".

As pessoas que participam das atividades da Escola são convidadas a se tornarem membros associados e ajudam a elaborar a programação e os eventos. Seguindo o princípio de uma escola livre, quem participa da organização dos seminários, lidera discussões ou contribui para a capacitação de formadores e militantes não recebe remuneração pelas suas atividades. Essa contribuição é entendida como uma doação solidária e serve como contraparte coletiva na busca de fontes de financiamento. Todas as pessoas envolvidas nas atividades da Escola são compreendidas como o "capital cultural e econômico" da entidade.

O projeto conta com o suporte financeiro do Programa Gestão Pública e Cidadania e da Fundação Avina. Também recebe apoio da Fundação Willian and Flora Hewlett e da Fundação Ford para o desenvolvimento de suas atividades e para a manutenção da sua sede. A Escola ainda busca outros colaboradores interessados em ajudar no financiamento de suas atividades, na constituição de um fundo de apoio para viagens e estadia de seus participantes em seus seminários, cursos de capacitação e para manutenção básica de sua sede. A coordenação geral da Escola Livre é feita pelo Programa Gestão Pública e Cidadania da FGV-SP, assim como a responsabilidade de prover base institucional para firmar os convênios e contratos.

A Escola Livre não tem a intenção de se manter restrita à cidade de Olinda, mas reconhece que precisa concentrar todos seus esforços, primeiramente, para implementar e viabilizar o projeto. Pretende tornar-se uma referência regional, nacional e internacional e assumir uma liderança crítica, construtiva e politicamente independente. Ilka diz que "a Escola Livre é também um ‘espaço itinerante’ de transferência gratuita de conhecimento. Dessa maneira, também poderemos estar na região do semi-árido nordestino, no Amapá e no Maranhão. Tudo é uma questão de perceber qual é a atividade a ser realizada e para que público".