Fonte: Boletim 258 da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos.

O que há de comum entre agricultores tradicionais e o movimento software livre? Aparentemente nada, pois enquanto um lida com a milenar atividade agrícola o outro trabalha com aquilo que, em nosso imaginário, se liga ao que há de mais futurístico. Os inimigos, porém, parecem estar aproximando esses dois personagens. Ambos têm como adversário principal o monopólio. Os hackers do movimento software livre lutam para que o código que produzem e utilizam seja livre, já os agricultores tentam fazer com que as espécies que cultivam há anos não se tornem de domínio exclusivo das transnacionais, interessadas em obter patentes sobre as sementes. No último caso, o código a ser protegido é o genético. No fundo, agricultores e programadores hoje lutam pela mesma coisa: o conhecimento livre.

Um grande passo para que os dois movimentos aumentem o diálogo e a colaboração foi dado no sexto Fórum Internacional de Software Livre — o fisl6.0. Neste ano, pela primeira vez o fisl montou um “Banco de Sementes Livres”, iniciativa desenvolvida para oferecer a comunidades indígenas e quilombolas do Rio Grande do Sul sementes livres de modificação genéticas e sobre as quais não incida nenhuma patente. Ao todo, o fisl conseguiu arrecadar 3 toneladas de sementes que, segundo os organizadores, deverão dar origem a 3 mil toneladas de alimentos.

Tradicionalmente, o fisl costuma arrecadar alimentos que, neste ano e no ano passado, foram doados ao programa Fome Zero. Mas havia, entre os organizadores, o desejo promover uma ação que pudesse ajudar os beneficiados a garantir seu próprio sustento de forma autônoma. Quem conta a história é Mário Teza, um dos organizadores do fisl e membro do Comitê Gestor da internet brasileira: “Ficamos tocados com a história da alta mortalidade infantil dos índios em Dourados (MS) e queríamos fazer algo que vencesse o problema da distribuição, já que é complicado fazer chegar os alimentos”.

||Ação prática|| A coleta para o Fome Zero não foi interrompida — neste ano foram arrecadadas 6 toneladas de alimentos — mas a ela somou-se a arrecadação de dinheiro para a compra de sementes. Ao final do fisl, no início de junho, o total arrecadado chegou a R$ 30 mil — fruto da contribuição dos patrocinadores e de R$ 3 da inscrição de cada participante. O próximo passo, agora, é comprar as sementes e, junto com as instituições parceiras, fazer com que elas cheguem às comunidades. Para isso estão envolvidos a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater-RS), as secretarias de Agricultura e de Trabalho do estado, a universidade Unijuí, o Conselho Indígenista do RS e, possivelmente, a Embrapa.

(…) Segundo Teza, quem plantou [sementes] transgênicas perdeu 100% da lavoura, enquanto a taxa de resistência da área plantada com as variedades crioulas (tradicionais) foi de 60%. (…) Com a seca, ficaram sem grãos até para o plantio da próxima safra”, afirma Teza.

O objetivo agora é criar uma cadeia produtiva livre, em que os agricultores não sejam obrigados a pagar os royalties abusivos cobrados pelas transnacionais dos transgênicos. No próximo ano, as comunidades beneficiadas contribuirão, com o fruto de seu trabalho, para fazer crescer ainda mais o Banco de Sementes Livres. “Não podemos ver reproduzido na agricultura o monopólio que uma empresa exerce sobre o mercado de software”, afirma Teza. “Queremos liberdade para o código genético, assim como queremos que sejam livres os códigos-fonte dos programas de computador”, completa. De fato, a tática de dominação do mercado usada pela indústria dos transgênicos é muito semelhante a usada pela indústria do software. Durante o fisl6.0, o presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Sérgio Amadeu, lembrou que o TRIPs – acordo sobre propriedade intelectual que regula a cobrança de patentes sobre sementes na Organização Mundial do Comércio (OMC) – é chamado por alguns juristas internacionais de “tentativa de Microsoftização do mundo”. Segundo Mário Teza, a lógica é a mesma, a indústria é conivente com o uso ilegal porque este, no futuro, gerará mais lucros a ela. (…)

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